28 de dez. de 2011

Por que não?


Sabe, às vezes penso em como as coisas podem ser. Por que não? Por que não podemos ficar juntos, diminuir os problemas, acabar com esse aperto, sorrir simplesmente? Então eu lembro das palavras que você usa pra me definir, de como você vive se importando com os meus problemas ou de como eu me sinto linda quando você fala de mim. Por que, meu deus, por que não? Por que não podemos nos encontrar, esquecer o passado, viver a vida real, como ela é? Daí eu me recordo, no entanto, que alguém como eu, que conhece alguém como você, sabe que alguém como você não diz palavras bonitas para uma só pessoa. Alguém como eu não pode ser enganado assim, tão facilmente. Por que não podemos ficar juntos? Porque eu te conheço. E, te conhecendo, nem quero que fiquemos juntos, mesmo. Nem quero que dê certo, nem quero ficar cega, ignorar os problemas ou esse maldito aperto. Não quero sorrir ingenuamente para você enquanto poderia sorrir para mim mesma, sincera, mesmo magoada, sem trair meus ideais. Não podemos nos encontrar, mesmo que estejamos lado a lado, porque você nunca vai saber quem sou eu de verdade. Não precisamos esquecer o passado porque o passado nunca importou, mas o presente importa, e o presente é de mau gosto. Na vida real, pessoas como você não merecem pessoas como eu. Na vida real, pessoas como eu não acreditam em pessoas como você. Na vida real, somos opostos. E continuaremos sendo opostos sempre, porque eu tenho aquela ânsia de poder confiar nas pessoas que me cercam, e você tem aquela mania irritante de me decepcionar. Por que não? Você sabe... porque não. Simplesmente não, inevitavelmente não.


Foto por ^DemonMathiel em deviantart.com

25 de dez. de 2011

Sinto muito

Sinto muito por sentir de menos ou demonstrar de menos. Sinto pelas crianças que morrem todos os dias, por esse mundo imperfeito, pelas maldades e atrocidades cometidas por nós. Sinto muito pelos sorrisos que não dei, pelas palavras que feriram e pelas vezes que fingi não me importar. Desculpe-me pelas vezes que não soube retribuir o carinho que recebia, se meu olhar não foi suficientemente terno, se as palavras que eu disse mais cortaram do que ajudaram a cicatrizar. Sinto muito por não saber escolher as melhores frases nos melhores momentos, e sinto tanto por não poder acabar com todas as dores do mundo! Sinto muito pelas pessoas que se foram e pelas que ainda irão; sinto por mim, sinto por ser assim e, ainda mais, sinto por não querer deixar de ser imperfeita. Desculpe-me pela sinceridade, pela incapacidade de fingir ou por não notar que fui rude, insensível. E, acima de qualquer coisa, sinto muito por não ser quem você gostaria que eu fosse, sinto muito por não ser uma alegoria às princesas, insuportavelmente perfeitas. Sou essa alegoria às avessas, completamente perdida em minhas desculpas. Mas não sinto muito por isso. Só sinto muito, e muito mesmo, por estarmos longe de não sentir nada.

16 de ago. de 2011

E eu preciso de você, mas e depois?

E eu te deixo, mas e depois?

Talvez devesse sorrir, ainda que ferida; talvez devesse chorar, só para variar, ou desabar nos braços de quem pudesse lhe segurar. Mas não havia nada que devesse fazer que realmente conseguisse. Não tinha vontade de fazer nada. Com os olhos fechados conseguia sonhar que nada daquilo era real, que não passava de um sonho macabro, que sua mente era terrivelmente incontrolável. Queria que suas ilusões engolissem o tempo, acabassem com as dúvidas, fechassem as feridas. Mas seus olhos estarem fechados não mudava o fato de que seu coração nunca estivera tão estraçalhado. Desde menina tivera sonhos simples, lembranças de um conto de fadas que nunca vivera. Apesar de cuidadosa, sonhava alto; apesar de parecer fria, sua sensibilidade ultrapassava os limites saudáveis; apesar do pessimismo aparente, esperava que tudo desse certo. Seu erro era fingir ser sua própria fortaleza. E então, quando deu por si, estava apaixonada.

Não pelo príncipe encantado nem pelo homem certo. Não pelo garoto dos seus sonhos nem por alguém que merecia esse amor. Alguém que estava ao seu lado, alguém que tinha mil defeitos; ela conhecia todos. Isso era ainda mais triste. Conhecendo-o tão bem, conhecia as impossibilidades. E as brincadeiras a feriam devastadoramente; quase acreditava e o tombo era sempre grande demais.

"O que, eu minto tão mal?" - ele sorria ao perguntar.
Percebi a mentira através do seu olhar - queria dizer e, no fim, nada dizia.

Já não podia mais fingir, ou podia? Conseguiria olhá-lo todos os dias nos olhos como se não sentisse nada? Como se seu coração não saltasse de medo, dor e paixão? Tudo bem, seguiria, um dia tudo isso passaria. Mas e então? Até quando teria que lidar com aquele vão no peito? Até onde seria capaz de ir com aquele grito preso na garganta, com as silenciosas declarações de amor?

Nem todos aguentam mentiras e eu ignoro isso, mas e depois?

Fugir não a levaria a lugar nenhum porque não tinha para onde fugir. Aquele sentimento não devia existir, aquela vontade de ser a única para ele não devia existir, aquele brilho no olhar não devia existir. E, no entanto, como se fosse de propósito, existiam. Ninguém acreditava neles, ninguém imaginava. O assustador era a certeza de amá-lo e não poder amar. Procuraria outros amores, talvez, ou outras maneiras de esquecê-lo. Lutar contra o mundo todo, no entanto, seria um milhão de vezes mais fácil do que lutar contra si mesma.

Talvez depois eu vá embora para sempre.

Música: Brush it off - Plan Three.
Conto para Projeto Blóinquês.

7 de ago. de 2011

:

‎"É como se a vida dissesse o seguinte:
e simplesmente não houvesse o seguinte.
Só os dois pontos à espera."
Clarice Lispector


Preencher o sentido dos dois pontos parece ser o motivo pelo qual vivemos. Quero que a vida me diga alguma coisa, quero que haja um sentido certo para acordar todos os dias. E eu digo tantas coisas à vida; crio um monólogo. Ela nunca responde. Cada dia que passa, em cada momento vivido, procuro palavras nas circunstâncias, nas coincidências, nas minhas próprias vontades, nas supostas verdades. Mesmo que sejam perguntas, ainda assim a vida parece querer dizer algo que nunca diz. Ela nunca dirá? Porque às vezes canso de tentar decifrar esses códigos bobos que não significam nada.

E quando tudo o que sinto é que falta algo, volto a procurar. Procuro, procuro até cansar, e de novo, e de novo. Nunca encontrei nada, nunca soube se a sensação que tenho é real ou se não passa da minha vontade imensa de entender o mundo. E parece que perco quando não entendo o que a vida quer me dizer. Ouço ela gritando e nada. E ainda assim ela segue frisando, aos berros, aqueles dois pontos que eu preciso entender; deve ser só para me provar a importância das minhas perguntas.

Pensando bem, poderiam ser pontos de exclamação, reticências, pontos de interrogação, vírgulas e até mesmo pontos finais. Mas são esses dois pontos que me matam: eles ilustram a possibilidade de ser qualquer coisa.

  

26 de jul. de 2011

Palavras

Acordara e já não sabia que dia era, ou de que mês. O sol brilhava no topo do céu. Esticou-se e olhou ao redor. O quarto, revirado. Não tanto quanto seu cérebro. Roupas rasgadas pelo chão, cacos de vidro, duas garrafas de whisky vazias e, por tudo que era mais sagrado, sua cabeça ia explodir.

Lentamente lembrou-se de fragmentos da noite anterior. Chegara de uma viagem de negócios e encontrara seu noivo com uma mulher no apartamento. Sim, era isso. Seu coração doeu quando recordou a cena. Devagar percebeu que havia sangue na cama. Seu braço estava cortado e sua testa também. Nada demais. Nada que não curasse mais cedo ou mais tarde. Nada comparado ao estrago por dentro.

Riu irônica. Lembrou-se do "não é nada disso que você está pensando, eu posso explicar tudo...". Riu ainda mais quando percebeu que aqueles cacos de vidro eram resquícios da briga dos dois. E ela atirara nele tudo o que estava em sua frente: vasos, porta-retratos, copos... E então desabou, gritando de horror. Prestes a se casar e totalmente perdida. Prestes a formar uma família com um homem capaz de humilhá-la daquela forma. Fora enganada. Mas, acima de tudo, conformou-se com o pouco que ele dava! E sabia, no fundo, que merecia mais, muito mais! Então por que diabos estava passando por aquilo tudo? Era sua culpa, tudo sua culpa. Devia ter percebido as mentiras, as desculpas, era tão óbvio. E ele, assustado, enquanto a via desabar, correu como se não houvesse consequências. E as consequências estavam todas ali.

Tanto tempo perdido, murmurou a si mesma e a cabeça latejou. Lembrava de ter recortado cada uma das roupas dele enquanto bebia todo o estoque de whisky. E lembrava de ter ligado para sua mãe, no meio da noite, e ter desligado quando ela atendeu. Não queria que soubessem de sua desgraça interior, de seu fracasso latente. Mas saberiam, de qualquer forma. Tinha que ficar bem logo, levantar a cabeça de uma vez por todas e sorrir como se tudo fosse natural, como se não doesse.

O telefone tocou. Era ele, viu no visor. O desgraçado que a enganara durante anos. O homem que sempre dizia as palavras certas. O homem que a conquistara com seu estilo arrogante e superior. Mas não adiantava saber tudo o que as mulheres querem ouvir quando não agia com honra, com amor. E palavras não são o suficiente, apesar de serem necessárias. Suspirou, puxou o telefone para seu ouvido e atendeu.

"Eu posso explicar", de novo. E outra vez ela riu. 
"As palavras perfeitas nunca passaram pela minha mente. Até hoje", murmurou ela dolorida, mas firme. "Talvez um adeus bastasse, mas vá se foder está muito mais na moda".
"Se você me escutasse..."

Cansara de escutá-lo. Acusações e desculpas não mudariam nada. Ele havia jogado fora anos em segundos. E nada a faria voltar atrás. Nem as mais lindas palavras do mundo apagariam as imagens em sua mente. 

"Palavras até me conquistam temporariamente,
mas atitudes me ganham ou me perdem para sempre."
Clarice Lispector

Foto por *ArmyBrat1521 em www.deviantart.com





19 de jul. de 2011

Tarde demais

De Débora Vargas
Para Arthur Siciliano

21/06/1999

Para você é tão fácil esquecer. É tão fácil perdoar. Não posso entendê-lo. Juro, juro, é tudo tão confuso. É como se, quando nos falássemos, todas as minhas certezas se fossem. Você traz perguntas à minha mente que não sou capaz de responder. E quando você demora para responder essas cartas meu coração se aperta de saudade, de ciúme. Dói muito, sabia? Quando você consegue viver sem mim, dói. E eu sei que consigo viver sem você, mas não queria. Porque somos perfeitos juntos, porque você é perfeito para mim. Ou era. 

Arthur, você é um bobo! Foi embora por escolha própria atrás de um sonho impossível e o está alcançando! Mas você está me perdendo, também. Isso não é ruim? É ruim para mim. Porque eu espero um, às vezes dois meses para receber uma carta sua dizendo que sente saudades. Se sentisse realmente por mim a saudade que sinto por ti, não conseguiria ficar sem escrever por tanto tempo.

E eu sei, não sou boba, sei que conquistou outras meninas com a sua inteligência e com o seu jeito. Com seus olhos. Que já foram meus, mas que já não são. Quando você foi, por que não pediu aquilo que qualquer homem apaixonado pediria? Por que você não disse para mim, assim, com aquele seu jeitinho aloprado e certo de tudo: "Vamos fugir?" Faltou o quê? Faltou eu dizer que te amava? Mas você sabia, eu sou louca por tudo o que você faz, aceito todas as suas loucuras, me agarro às mais bobas certezas só para ter você ao meu lado! Era absolutamente claro que te amava! E, mesmo assim, preferiu ir sem mim. Em busca do sonho que eu sempre disse para você sonhar. Em busca de algo que eu obviamente te ajudaria a conquistar. E agora estou aqui, enlouquecendo de saudades e de dúvidas e dizendo esse monte de coisas que eu nunca me julguei capaz. Estou me humilhando.

E, sabe, agora é tarde. Eu fugiria com você sem pestanejar. No passado. Agora não há qualquer mínima chance de eu desistir de tudo por alguém que nunca desistiu de nada por mim. Não vamos mais fugir, nunca mais. E, por mais que doa, meu coração não será mais esmagado pela sua indiferença. Não mande mais cartas.

Eu estou fugindo, sim. Mas é de você. E de todas essas feridas que você sempre abre com a inquietante frieza de suas palavras, mesmo que inconsciente. Não significo mais muito para você. E estar sozinha pode ser triste, mas é mais triste ainda amar e não ser amada o suficiente. Não aceito mais metades. Quero tudo que é meu. Se você não é, fujo. E vou atrás da felicidade.

Com carinho,
Débora.

Foto por  `gilad em www.deviantart.com

12 de jul. de 2011

De volta

Olhava as estrelas pela janela. Somente uma ou duas brilhavam naquela noite. E a lua não estava lá.

Seu coração estava partido. Sabia que, cedo ou tarde, tudo voltava para o lugar. Mas, até lá, doeria. E podia estar doendo mais que qualquer coisa no mundo, mas nunca se humilharia por ele. Era verdade, não lhe merecia. E esteve ao lado dele todo aquele tempo! Que boba. Tão inteligente para umas coisas e a mais ingênua das criaturas quando o assunto era ele. E ainda bem que doía tanto ter seu orgulho ferido, ter seu amor jogado fora, pois assim não se esqueceria.


Don't you know I'm not your ghost anymore?
You lost the love I loved the most.

E as pessoas diziam para ela que amar é bom. Deve mesmo ser, riu ironicamente. Quando é recíproco. Quando se ama alguém decente, alguém de verdade. Não uma imagem, uma personagem.

Mas o pior, o pior de tudo era saber que ele tinha dito que a amava. Mas, é claro, como era de se esperar, dizia isso para todas as outras. E zombava de cada coração que esmagava com sua arrogância. A prepotência dela a levara onde estava. Merecia estar ferida por achar que seria a pessoa que mudaria a vida dele. Ninguém muda a vida de ninguém se a pessoa não quer mudar. Isso aprendera duramente. Mas tudo bem, disse-se, vai passar, vai passar.

Sofrer por amor é melhor que não sentir nada. Sofrer por ódio talvez também seja. Só que o preço que se paga às vezes é alto demais. Dessa vez custara sua confiança nas pessoas, nas palavras, nos sentimentos. Porque ela estava cega por querê-lo e querer querê-lo. E não viu que ele a tinha nas mãos. E aquelas mãos não mereciam segurar seu coração. Ninguém a teria em mãos novamente. Não sofreria assim por mais ninguém. Porque não importa o quanto se ame alguém, nunca se deve amá-lo mais do que a si mesma. Ninguém estaria a sua frente, nunca mais! 

E a lua, pobre lua, tendo sua luz ofuscada pelas nuvens densas que cobriam o céu. As estrelas pouco brilhavam naquela noite. O que mais chamava atenção era a vergonha, que estava praticamente escrita em sua testa. E a dor que escorria como lágrimas de raiva. Raiva de si mesma por não saber que ele era como era. Raiva de ter sido enganada e raiva de seu coração ter escolhido, mais uma vez, amar alguém errado. Alguém que não quer ser amado. Alguém que não sabe o que significa verdadeiramente gostar de alguém.


You're gonna catch a cold
From the ice inside your soul.
So don't come back for me!
Who do you think you are?

Com um suspiro, aceitou o preço. Pagou. E decidiu que, a partir daquele momento, quem receberia era ela. Cada centavo de volta. Cada lágrima de volta. Cada pedaço do seu coração. De volta.


Música: Jar of hearts - Christina Perri.

20 de jun. de 2011

Margaridas no jardim

Abriu aqueles armários empoeirados. Olhou aquelas prateleiras com fotografias antigas, livros, relíquias de família. Nada era desconhecido. E, olhando para a parede central, via a si mesma, no jardim daquela casa, sorrindo  abertamente com um coelhinho branco nos braços. O mesmo sorriso que deu ao se lembrar dos dias quentes de verão, da brisa na sacada, das árvores frutíferas, das primaveras cheias de margaridas, dos pássaros cantando pela manhã.

A cama ainda estava feita, coberta com colchas feitas à mão e travesseiros de pena de ganso. A cortina, fechada. E pelo cheiro do quarto sabia-se que aquela janela já não era aberta fazia tempo. Podia ouvir os ratos caminhando no forro da casa onde crescera e vivera momentos lindos. Momentos que já não seriam vividos naquele lugar. Um lugar que, agora, era de ninguém.

Seu pai, quando ainda era uma garotinha, morrera. E, fazia dois anos, sua mãe também. Desde então aquela casa estava abandonada. Sentia-se forte o suficiente para ir até lá agora, depois de tantos anos. Fora difícil tomar aquela decisão porque sabia que não seria nada fácil. E tinha razão. Em seu coração havia um enorme buraco negro. Até as lágrimas ele sugava. Era a coisa mais triste do mundo olhar para aquele lugar e não enxergar a vida que lhe era peculiar em infância. Tudo se perdera. Tudo estava perdido. E ela estava lá, tão só e tão ferida que nem tinha forças para ir embora.

Não sabia quando isso acontecera. Tampouco queria saber. Queria que as boas memórias fossem mais fortes que o fato de nada mais ser lindo naquele lugar. E a menina que crescera lá com brilho nos olhos já não via mais brilho naquela casa sem vida. Abriu os armários, tocou as roupas de seus pais com pesar e com saudade. Cheirou algumas delas, tentando procurar algum resquício de seus cheiros. Não lembrava mais de seus cheiros. E, sentindo-se boba, chorou, finalmente. Queria tanto lembrar, como é que podia esquecer algo assim? Desolada, mirou o jardim de grama alta, inços e árvores mortas. 

Tudo estava morto. Todos estavam mortos. E ela, viva, desesperada, perdida naquela ilha de esquecimento. De repente tudo ficou escuro. Não tão de repente, mas de repente demais para ela. Era noite e havia passado horas em nostalgia sem ao menos se dar conta. Eram muitas histórias. Histórias que jamais seriam  contadas.

Saindo daquela casa para nunca mais voltar, olhou mais uma vez para o jardim esquecido. E, como se fosse uma viagem ao seu passado, avistou margaridas balançando no pé de uma figueira antiga, na qual subia quando menina. Sentiu como se as margaridas sorrissem para ela. Estavam vivas. Ainda havia vida perdida naquele passado presente. Ela não era, e ainda bem que não, o único vestígio daqueles momentos.

As flores acenavam, numa noite de primavera, e pediam para que voltasse.




14 de jun. de 2011

Mentiras

A verdade não pode ser dita. Não deve ser dita. Porque destruiria tudo. E o mundo não deve desabar por completo. Tudo bem, sei da verdade. E isso, nem de longe, quer dizer que eu deva aceitá-la ou me dar por vencida. As verdades mudam o tempo todo. Muitas mentiras já foram reais e muitas realidades já não passaram de mentiras. Porque o mundo dá voltas e o tempo cura tudo. Ou devia curar. Eu espero que cure. 

Não gostaria que esse sentimento existisse. Um sentimento que será uma bomba. Que vai explodir, um dia. Ou será que, antes disso, vou conseguir apagar o fogo? Já não importa o que eu faça, não está mais sendo uma escolha. E tudo o que eu acreditei não passa de hipóteses refutadas. Eu mesma as refutei porque sou incapaz de mentir pra mim. Mas não incapaz de mentir pros outros. Eu até gosto, sabe, de ter o controle das minhas emoções. Mas sempre chega um ponto em que perco o controle. E esse ponto está sempre perto, perto demais para me deixar esquecê-lo.

Eu quero esquecer. Aliás, isso é tudo o que tenho querido desde algum tempo. E, pela primeira vez, entendi o sentido de querer não é poder. Odeio essa fraqueza, essas dúvidas, essa tristeza contente, esse medo latente, essa esperança vã. Mas odeio, acima de tudo, amar desse jeito bobo todos os detalhes. 

E sim, escondo o amor. Porque esse amor é horrível. Esse amor é destrutivo. Esse amor é louco demais pra ser real. E as consequências dele fazem todo o resto nem valer a pena. Uma vez li que o sofrimento é opcional. Eu acreditei. Mentiram pra mim. Mas igual, minto o tempo todo. E ninguém realmente se importa.

Foto por ~Kashimana em www.deviantart.com

29 de mai. de 2011

Nunca quis

Nunca quis ser a sombra de alguém. Nunca quis dever, ser enganada, errar. Não quis misturar as coisas, não quis dividi-las. De jeito nenhum quis ser fria, realista demais, prática. Fico feliz de ter descoberto algumas verdades, mas nunca quis que elas existissem. Não quis saber, de todo o modo, mais do que deveria. Não quis ter certeza de coisas assustadoramente reais.

Não quero esperar a morte, não quero afastar pessoas, não quero ser engraçada demais ou séria demais, também. Nunca tive a intenção de quebrar corações nem de ser machucada. E seria hipocrisia dizer que nunca quis vingança, porque eu quis, eu quero. Eu não quero dúvida, de qualquer modo. Não quero esse sentimento de aperto no peito, tudo isso que acontece quando a gente não sabe como sair de uma situação incômoda. Nunca quis essa pressa, o tempo passando sem eu sequer perceber, as pessoas vindo, indo e voltando como se fosse simples assim, como se não devessem nada a ninguém, como se não devessem nada pra mim. Eu quis dizer muitas coisas que não disse, mas queria poder nunca ter dito outras. Eu nunca quis não conseguir amar. Não queria ser tão fechada, talvez até vazia. Mas também nunca quis ser a boba que ama tanto alguém que esquece de se amar. Nunca quis me aproveitar das fraquezas de ninguém porque nunca quis sabê-las. 

Não quis brincar que os contos de fadas são reais. Não quis que fosse uma brincadeira. E, acima de qualquer outra coisa, eu nunca quis arrependimentos. Então, como prioridade máxima, não me arrependerei. Que seja bom e que acabe antes de se tornar ruim. Que acabe para poder começar tudo de novo.

Tenho medo de já ter perdido muito tempo. Tenho medo que seja cada vez mais difícil. Tenho medo de endurecer, de me fechar, de me encarapaçar dentro de uma solidão-escudo. 
Caio Fernando Abreu

22 de mai. de 2011

Perdemos

Summer turned to winter
And the snow had turned to rain
And the rain turned into tears upon your face


O tempo todo. Perdemos o medo, perdemos a coragem, perdemos o sono, perdemos tempo, perdemos a vontade, perdemos sentimentos, perdemos olhares, detalhes, perdemos chances, perdemos oportunidades e perdemos pessoas. Perdemos coisas que importam e coisas que já vão tarde, perdemos sorrisos e lágrimas, perdemos filmes, perdemos livros, perdemos a fala, perdemos o ritmo... Perder é uma constante, é uma regra da vida. Mas ganhamos tanto, ganhamos o tempo todo, também. Ganhamos sabedoria, ganhamos momentos únicos, ganhamos lembranças, ganhamos ânimo, felicidade. Ganhamos o dia, a noite, a semana inteira, o ano! Ganhamos algo, ganhamos de alguém, ganhamos tanto, tanto, e perdemos tudo isso. Porque a última coisa que perdemos é a vida. A vida é assim, ela dá coisas e as tira de nós porque somos suscetíveis, somos vulneráveis, somos seu brinquedo.

A vida brinca. Ganhamos a vida e esse é o melhor presente. Perdemos a vida e esta é a nossa maior lástima. Nosso maior medo, perder mais do que ganhar, perder antes de ganhar tudo o que se pode, não conseguir lutar mais pelo que queremos pelo simples fato de perdermos tudo. O chão, o show. Mas ganhamos, antes disso, é claro, muitas outras coisas que não morrem, que não perderemos tão cedo. Alguns perdem e outros ganham, mas às vezes só há perdas. Não há beleza na morte. A morte é triste, não há nada mais triste do que perder. E ninguém ganha essa guerra. Sempre perderemos.

Life can show no mercy
It can tear your soul apart
It can make you feel like you've gone crazy
But you're not

Mas ganhamos, não ganhamos? Quando perdemos algo, é porque esse algo era nosso, nos foi dado, nos foi concedido, nos foi oferecido. Então perder tem lá seu lado bom, no fim das contas... Porque tivemos. Tivemos e, tudo bem, perdemos, mas o que tivemos e uma vez foi nosso só se apagará de nossas memórias quando já não existirmos. E todas as coisas boas que "o que" ou "quem" perdemos nos trouxe quando nos pertenceu ameniza, levemente, a dor de termos perdido. As lembranças são o que nos leva para frente. E a vontade de ter mais lembranças faz com que vivamos, dia após dia, mesmo sabendo que vamos perder.

Se sentimos falta, se realmente perdemos, é porque foi lindo. E sempre será lindo. Estaremos sempre procurando a beleza que queremos ver, o sentimento que queremos sentir. Nunca desistiremos até que, inevitavelmente, nos percamos de nós.

Foto por ~Aegis13 em www.deviantart.com

Música: Lost - Michael Bublé

14 de mai. de 2011

~

As máscaras continuam lá. Como se ninguém nunca tivesse visto realmente seus rostos. Como se fossem incógnitas para todos, quando são, na verdade, livros abertos, livros ruins. Talvez as máscaras caiam um dia, talvez permaneçam lá até se tornarem faces.


Vivem numa mentira. Querem que seja verdade. São uma mentira. E quem é de mentira não se torna real.

27 de abr. de 2011

Presente de grego

LEIA A CARTA ANTES DE ABRIR O EMBRULHO.

“Pedro,
Isso que te envio, essa carta, esse embrulho, tudo isso é um presente de grego. Quero destruir os muros que nos separam, quero batalhar com você por você e, no fim, quero vencer. Eu sempre quero vencer, você sabe disso. Conhece esse meu defeito, esse fato bobo de eu simplesmente não aceitar “não” como resposta quando o que eu quero ouvir é um “sim”. Não sou doida, não, sei que sorri quando digo isso, mas sabe que é verdade... Eu sou certa, bem certa do que quero. E, que alguém me ajude, eu quero você. Demorei em admiti-lo, demorei a querer sentir isso que estou sentindo. Como disse Clarice Lispector, alguma vez, “Que medo alegre, o de te esperar”. Sinto um frio na barriga, um vazio no peito, mas quando me lembro do jeito que você sorri quando olha para mim... É como se todos os medos nunca tivessem existido. E, ah, me esqueci de avisá-lo, sou mesmo clichê. A boba, a romântica, porém cética. Aquela que acredita no amor, mas tem medo de amar. Você me encontrou. Isso é um fato. A grande pergunta é: você me quer? Você gostou de ter tropeçado em mim? Você sente seu coração acelerar quando me vê? Gosta do meu perfume? Lembra do meu rosto antes de dormir?

Eu tenho esse presente para te entregar, é claro. É um embrulho simples, como eu. E com simples quero dizer sem muito ornamento, sabe, sem uma beleza de encher os olhos, sem os detalhes que tiram o fôlego de todos. Mas quando você olha para esse embrulho, perde o ar? Está curioso, Pedro? Porque eu estaria. Como estava dizendo, não é nada muito chamativo. Mas o que tem dentro significa muito para mim. Quero que tente ver com meus olhos esse presente. Por favor, chacoalhe a caixa. Ouviu alguma coisa?

Abra o embrulho, Pedro. Você é muito inteligente, é sagaz, é esperto, é lindo. Já sabe o que te dou, não é? Ou melhor, o que te empresto, o que te entrego. Não é material, não tem cor, não tem cheiro. Tem sentido, e só, mas isso é muito! É o meu amor. Ele estava guardado em uma caixa que foi aberta por você. Agora lhe pertence. E você tem duas opções, Pedro: feche essa caixa, lacre-a e devolva-me sem nunca, nunca olhar para trás. Ou aceite meu amor e me ame de volta, mesmo sabendo que sou assim, imperfeita, completamente imperfeita. Quando você leu isso, seu coração ficou quente como o meu fica enquanto espero sua resposta? Se sim, parabéns, você está me amando. 
                                                                                                                             Beijos,
                                                                                                                                             Lia.”

Foto por ~ra3iatha em www.deviantart.com


24 de abr. de 2011

Acredite, eu sei

Não é necessário que me explique como é se sentir assim. Não preciso que me diga que sente medo. Ah, medo, ele quase sempre me fez desistir. Só não desisti por causa do medo nas vezes em que lutei ao máximo para não vê-lo. Sabe, às vezes conseguimos enganar a nós mesmos. O inconsciente se encarrega de guardar à sete chaves aquilo que não podemos ou não queremos ou não agüentamos saber. Eu agradeço a ele. Porque sei que tudo está lá; todos os meus pesadelos, todos os arrependimentos, todas as possibilidades, todos aqueles malditos pensamentos... Os que ferem, destroem, transformam, são. Aqueles que vão me mudar, que me mudam, que me mudaram. E a você, também.

Acredite, eu sei. Sei do seu lado mais obscuro, sei que você pensa coisas que ninguém nunca, nunca poderia imaginar. Não se preocupe, eu imagino, é claro, porque gosto de imaginar, mas isso não quer dizer que eu tenha certeza. Nunca terei. Mas ainda assim compreendo, ou tento, ou quem sabe só aceito. Porque sou assim, também. Dúvidas. Sou mais que uma só. Sou várias, sou máscaras, sou diferente a cada eu. A cada segundo. Porque eu mudo. Porque eu amo. Porque eu sonho. Porque a vida muda e estou viva! E você, também.

Conheço esse terror, essas tempestades, esses medos, essas lutas, esses anseios, essas virtudes, e, ah, eu conheço também essas decisões que são tomadas sem serem realmente pensadas; esses erros que são cometidos e depois não podem ser concertados. Porque a culpa sempre será sua, não é? Sempre será nossa. Porque alguém sempre tem a culpa. E você, eu, nós somos alguéns. Ou espero que sejamos. Ser ninguém seria até suportável. Seria insuportável não ser, simplesmente. Então eu sou, só, e tento não tracejar linhas ao redor de mim, para não haver limites para o que vou me tornar. Eu sou hoje, fui ontem e serei amanhã. E você, também?

20 de abr. de 2011

Sem mais erros

 Por que não podemos começar tudo de novo? – suspirou ele ao pé de seu ouvido, segurando-a em um abraço forte que significava desespero e não amor. Nada mais significava amor ali havia um tempo. Um tempo que ela parara de contar para parar de se ferir.

As coisas não deram certo, disse-se, assim era a vida o tempo todo para todas as pessoas do mundo. Dor, sofrimento e novos começos, para então encontrar novas felicidades, novos objetivos. Não velhas histórias começando de novo. O mundo, as pessoas, as ideias, os sentimentos, tudo isso tinha que mudar. Se ficasse sempre na mesma, se nada saísse da rotina, se não existissem surpresas, se tudo fosse sempre igual, o que seria a vida? Um erro repetido e repetido até a porcaria do último suspiro? Separou-se do abraço, deixando a tristeza e as lágrimas de lado, determinada a simplesmente seguir sua vida sem perder-se nos mesmos caminhos errados. Os atalhos não eram apropriados para uma mulher como ela. Estava cansada das escolhas fáceis.

– Porque não se insiste nos erros – respondeu rapidamente, fechando sua mala enquanto o homem que ela um dia julgara ser sua vida olhava-se no espelho com os olhos inchados e vermelhos.

– Não somos um erro – murmurou ressentido. Era ódio que ela ouvia? Ou era acusação? Por que acusá-la de quê, realmente? Ela fizera de tudo para não tomar aquela atitude, mas não aguentava mais fingir.

Não podia mais mentir que estar ali era o que queria, que aquela luta valia a pena. Nada valia a pena se a consequência fosse aquele sentimento de aperto e vazio no peito. Nada, absolutamente nada justificava aquele sofrimento. A dor de perder pras circunstâncias, a dor de ter que ir embora, de ter que dizer a verdade, de ter que assumir a responsabilidade por não ter dado certo. O medo de estar errada, de se arrepender, de nunca mais se perdoar. E a certeza, no fundo, de que o amor acabou.

– Será que você pode parar pra ouvir o que eu tenho a dizer ou é difícil demais? Nós somos um erro, sim. Pode ser que não tenhamos sido no passado, mas no presente somos. E eu não quero mais errar!

– Podemos voltar a ser o que fomos.

Ela riu asperamente. Não, não podiam. As coisas mudam porque as pessoas mudam, e quando as pessoas mudam e as coisas mudam, nada nunca mais é como foi. E ainda bem! Não era difícil entender, mas ele não queria enxergar que já não havia futuro naquela relação, naquela casa, naqueles beijos, naquelas palavras soltas, vazias e às vezes mentirosas! Era antiético mentir para os outros, concluiu, mas era inadmissível mentir para si mesma. Estava farta de mentiras, de conveniência. O mundo estava de cabeça para baixo e doía, doía muito manter seus pés cravados no chão. Um dia, porém, esperava sorrir de toda aquela bagunça. Porque também estava cansada de lágrimas. Queria viver novos dias doces, novas estações floridas, novos sorrisos verdadeiros.

– Não quero ser quem eu fui. Eu quero ser quem sou – suspirou inquieta, dolorida, mas simplesmente aliviada. Menos o peso da Terra em suas costas. Mais sinceridade dali em diante.

Não tente vir, queria dizer a ele, mas o ouviu bater e trancar a porta do banheiro. Não me procure, quase disse, porém entendeu que já havia dor suficiente. Então saiu do apartamento com as malas em mãos e fechou aquela porta de sua vida para sempre.

Foto por *C-Hass em www.deviantart.com


Texto escrito para o Projeto Bloínquês (65ª Edição Musical).



18 de abr. de 2011

~

“Oh mirror in the sky, what is love?
Can the child in my heart rise above?” 
Landslide.

Deitada sob as estrelas, perguntava-se para onde ia aquele tempo que já não vinha, onde estavam as lembranças já esquecidas, porque as pessoas simplesmente iam embora sem avisar. As estrelas não respondem, não tiram dúvidas. A verdade é que grande parte das estrelas que enxergamos já morreram há muito tempo. E os mortos não conversam.

Brilhava acima dela um céu infinito quando finalmente entendeu que a vida era isso: uma busca incessante por respostas. Respostas que talvez nunca fossem encontradas. Mas as estrelas servem como um espelho para quem realmente as vê. O brilho involuntário de quem já não se importa, e mesmo assim embeleza a noite dos homens.

Não, os mortos não falam, mas eles ainda existem, as estrelas são prova disso. Os mortos existem, sim, e que alívio! Porque um dia todos vamos estar mortos, mas ainda vamos poder existir, de qualquer forma, não vamos? Brilhar, iluminar e ser, mesmo sem viver. Isso seria ótimo.

Stars
Foto por ~Tiberius47 em www.deviantart.com

16 de abr. de 2011

Liberte sua mente





13 de abr. de 2011

Precisa-se de dor

A falta de tempo é uma meia verdade. O que acontece é a falta de inspiração e culpamos o tempo por isso. Mas o tempo sempre passa igualmente, todos os dias. E, é claro, o tempo foi inventado por nós, a culpa é nossa, então. A grande verdade é que falta dor. Dor para criar, dor para emocionar, dor para cativar, dor para interessar. É muito bobo escrever sem dor; nada é profundo sem dor. Sentimentos felizes estragam as palavras porque sentimentos felizes não precisam ser compartilhados, é mais uma questão de ego. A dor nos pede, ou nos implora, ou nos obriga a colocá-la para fora. A felicidade, não. Sempre há mais espaço para ela, felicidade nunca é demais, ninguém explode de felicidade. Alguns bons textos podem até parecer felizes, mas procure bem nas estrelinhas: a tristeza está ali fazendo sua parte. Sempre está. Eu diria que a dor me deixou de lado por um tempo, que esqueceu-se de mim, que cansou de brincar comigo, e pode até ser que, em sua grande maioria, ela realmente se foi. Mas sempre há dor em mim. Eu preciso de dor para poder escrever. E simplesmente preciso escrever. Não tem doído o suficiente para que seja ótimo, mas sinceramente tenho aproveitado as férias da tristeza. Porque ela volta sempre mais forte e eu nunca deixei de aproveitar também sua presença. É claro que aqui há dor; não essas dores comuns, essas que nos sufocam até que queiramos gritar, mas há sim, dor, a dor de simplesmente não sentir tanta saudade assim de estar inspirada. Porque estar inspirada dói muito. E, de dor, estamos sempre cheios, não é? Acho que me contento com as pequenas dores de alguém relativamente feliz.

Por enquanto.

3 de abr. de 2011

~

Tente, diziam. Cuide. Sinta. Sorria. Divirta-se sempre. Não desista. Levante-se. Não tem problema demonstrar seus sentimentos, repetiam. Solte-se. Voe. Vibre. Faça o que quiser. Não pense muito sobre tudo. Derrube esses muros que te cercam, pediam. Deixe o coração levá-la aonde quer realmente ir. Retire esse peso dos seus ombros. Viva o presente. Seja intensa. Mostre que você se importa, murmuravam. Ria de qualquer coisa. Não brigue. Não lute por causas perdidas. Ignore, o mundo é mesmo injusto. Por que você simplesmente não deixa ser?, perguntavam. Por que odeia surpresas? Onde está aquela menininha que você foi? Sinto falta dela, reclamavam. Tente trazê-la de volta. Não seja tão insensível. Faça as pessoas à sua volta serem felizes. Sinta o mundo girar sem tentar segui-lo!, exclamavam. Não seja tão egoísta e cheia de si. Deixe o tempo agir. Reze. Acredite no que precisa acreditar. Contos de fadas são reais, brincavam. Espere o seu príncipe. E quando tiver certeza de tê-lo encontrado, nunca o deixe ir. Não procure respostas para todas as perguntas, sentenciavam. Procure pelas perguntas, mas chute de vez em quando. Não tenha tanta certeza do que diz. E, às vezes, por favor, não diga o que pensa; as pessoas não entendem isso direito.

Tudo bem, ela respondia simplesmente. E, algumas vezes, deixava o orgulho de lado para tentar seguir os conselhos que considerava mais sábios. Ah, menina boba, quis se curar de seus defeitos, ser toda perfeição. Escutou os outros lhe dizerem o que devia fazer e fez. Mas e o conselho mais importante do mundo, o único conselho que as pessoas deveriam realmente dar umas às outras? – aquele que se resume a duas palavras, mas que quer dizer infinitas coisas! Só um “Seja feliz!” e pronto. Esse conselho simplesmente não lhe foi dado. E agora ela está aqui, sendo o que esperam que ela seja, mas sem sua essência, vivendo em contradições. Em ruínas por ter que sorrir.

"Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso.
Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro."
(Clarice Lispector)

30 de mar. de 2011

Lembre-se bem

Cara Mariana,

Lembrei de você. Você achou que eu havia lhe esquecido? Lembro de você a todo o instante, na verdade, mas de alguma forma tinha que começar esta carta. É claro que eu gostaria de lembrar mais. De cada traço do seu rosto, sabe, e do cheirinho que você tem. Queria lembrar de como a vida é linda quando se há um motivo para viver. Eu queria ter lembranças para contar a você agora, para tentar lhe provar que tudo o que eu fiz foi por amor. Mas não posso mais mentir. Eu te amava, é claro, e te amo com todas as minhas forças – mas escolhi a mim mesma. Agora sei, no entanto, que só sobrevivi todos esses anos, não vivi. Sobreviver é fácil e você já é uma moça, deve saber disso. Viver intensamente é que é difícil. É difícil desistir de velhos sonhos para construir novos. E é difícil pensar antes de agir. Todos pensam que viver é só arriscar, só ouvir o coração, mas não é. Viver é escolher, o tempo todo. E as escolhas quase sempre devem ser bem pensadas. As conseqüências são cruéis, às vezes. Elas destroem quem somos e o que queríamos ser. Deitada nesta cama de hospital, sozinha, sei que a única pessoa que poderia me amar incondicionalmente me odeia. E com razão.

Eu te considerei um erro de percurso e, querendo ou não, você foi, Mariana. No entanto, foi o erro mais lindo que cometi. E o único do qual não me arrependo. Quando você nasceu e eu olhei nos seus grandes olhos ingênuos, eu te amei. Amei-te tanto que não pude suportar. É um erro que pessoas como eu, medrosas, cometem. Têm medo de amar sem medidas. Agora eu estou morrendo. Fisicamente. Porque uma parte de mim já está morta há 18 anos, desde que lhe deixei nos braços de seu pai e fugi. Eu corri durante dias, você sabia? Meu coração estava tão apertado! E mesmo assim não soube perceber que tinha tomado a decisão errada. E eu nunca voltei para perto de você. Foi o medo de não lhe merecer e o costume de estar só que me fixaram longe do seu caminho. Sabe, eu mereço sofrer. E mereço morrer sozinha. Você pode me odiar. Eu fui horrível, fui egoísta, fui fraca. Mas lembro de você. Nunca poderia esquecer. Porque você tem sido o meu motivo para sobreviver. Eu queria ter vivido, Mariana. Gostaria de ter sido uma mãe para você. Mas o que me resta é aguardar o descanso.

Torço para que a morte seja um sonho lindo. Se isso se realizar, vou sonhar o resto da eternidade com você. Seria o meu maior presente. Lembre-se bem disso.

Carinhosamente e com muito amor, sua mãe.

I miss you
(foto por ~Smiliess em www.deviantart.com)



Texto escrito para o Projeto Bloínquês (36ª Edição Cartas).

25 de mar. de 2011

Complicado assim

A verdade é que complicamos tudo. Fazemos de uma gota, tempestade. Coisas simples não nos satisfazem, porque simplesmente não somos simples. Somos, para começar, o conjunto de átomos mais impressionante do mundo. O corpo humano é uma máquina inexplicável, complicadíssima e fascinante. Apesar de sermos da mesma espécie, temos essências diferentes, nuances diferentes; dizer que somos iguais seria até ofensivo! O cérebro humano é uma incógnita nunca deixada de lado, sempre sendo vasculhada e estudada, mesmo quando inconscientemente. Aliás, esse nosso inconsciente é quase assustador. Porque tudo é inconsciente antes de ser consciente. Porque os pensamentos e as ações e as vírgulas e as ideias, estão todos lá. Prontos para serem decifrados. E então as coisas acontecem para complicar o mundo, para nos complicar ainda mais. Sabe-se lá porquê elas acontecem, se é coincidência, se é destino, se é sorte ou azar. E quem se importa? Elas acontecem e isso é ótimo, já que, se não acontecessem, não existiria vida. Porque tudo é tão cheio de variáveis e detalhes que qualquer coisa minúscula muda tudo! E qualquer coisa quer dizer mesmo qualquer coisa. Coisas que não enxergamos e que nem almejamos descobrir. Coisas que são bonitas porque são ocultas, estão no silêncio. É por isso que complicamos tudo. Porque o simples não tem graça, o simples não atrai, o simples é óbvio demais! E porque tudo é complicado. A diferença é olhar realmente para o lugar certo, onde os mistérios e a verdade e o interessante estão escondidos, prontos para serem achados. Eles querem ser. E nós queremos achá-los. 

Então complicamos, mesmo! E com orgulho! O título até poderia ser "simples assim", porque, depois de tudo, é fácil perceber que temos esse dom de complicar. Mas perceber não quer dizer entender. E entender é o objetivo. Então fica "complicado demais", mesmo, que é pra ninguém perder o interesse em continuar procurando, nessas entrelinhas, os verdadeiros motivos de viver.

Complicated
(foto por ~Fifty-seven em www.deviantart.com)

20 de mar. de 2011

Socorro, Desconhecido!

Eu me perdi. Nesse mar revolto, nessas ondas tristes. Estou em uma ilha, preso e sem alimento, com sede. Não posso beber dessa água. Você pode me ouvir? Porque meu silêncio é um grito preso na solidão de estar perdido. Porque a maré luta contra mim quando eu nado em busca de encontrar. Encontrar o quê? Já nem sei. Você não entenderia. Eu busco algo que não faço ideia, mas é um algo daqueles que, quando aparece, simplesmente se sabe.

Infelizmente não sei se existe algum eu. Perdi-me de mim. Pode me ajudar? Socorro, por favor, eu me quero de volta. Quero o menino que fui, quero as lembranças do que vivi. Eu vivi? Ah, esse mar do esquecimento!, tão cheio de si, acha que pode fazer eu me desencontrar. E eu, tão ingênuo, subestimo-o, porque ele pode. Onde estou? Eu  me perdi ou nunca me encontrei? Mas você não me encontraria, de qualquer modo, já que começo a pensar que morri. Ei, você, acha que ainda vivo? Porque eu nem consigo me enxergar mais nessas linhas que escrevo incessantemente no vento, esperando que alguém as leia enquanto são levadas de mim. No entanto, desconhecido, não posso mandar meus agradecimentos porque desta ilha desesperada já não saio. Porque não sou mais dono do meu eu, que se foi. Falando nisso, estou me procurando, você tem me visto por aí? Porque não posso me alimentar sem mim, porque não posso beber sem mim e muito menos viver sem mim. Então estou morto. Ou nunca estive vivo.

                                                 Alguém ou Ninguém.

S.O.S
(foto por ~tuncaycetin em www.deviantart.com)

17 de mar. de 2011

Sabe?

Sabe quando as coisas começam a dar certo demais e dizem que é uma maré de sorte, mas você sabe que é só a calmaria antes da tempestade? Sabe quando você acorda adorando o mundo e vai dormir fingindo que aquele dia nunca existiu? Sabe quando até os dias mais cinzentos e chuvosos parecem mais claros do que o futuro? E quando a dor é tão grande que você não entende como as pessoas acreditam no seu sorriso? Você sabe quando os muros que você construiu para sua segurança vão caindo sob o ataque silencioso de alguém? Consegue entender o que é acreditar cegamente em algo mesmo sabendo que não deveria fazê-lo? Sabe quando todas as coisas que você faz para se proteger do mundo são as que te destroem quase por inteiro?

Se sabe, está na hora de levantar. E erguer a cabeça. E sorrir mais uma vez. E fingir que não foi nada, que foram só arranhões, que não doeu. E olhar para o céu querendo realmente enxergar o sol. E sentir a brisa como um aviso de que outros tempos virão. Porque eles virão e você virá junto. Para mais uma vez cair, mais uma vez sofrer e mais uma vez encontrar seu caminho de volta para si mesmo.

11 de mar. de 2011

Outono


There's a wild, wild whisper blowin' in the wind
Callin' out my name like a long lost friend
(American Honey - Lady Antebellum) 

Parecia a maior bobagem do mundo, mas não pertencia a lugar algum que conhecia. Tudo o que dizia era mal compreendido. A verdade é que ninguém estava preparado para ouvi-la. Gritava em silêncio. Amava em silêncio.

Não era triste. No entanto, não era feliz. Olhava para todos os lados e perguntava-se onde diabos estaria sua casa, seu lar. Não era ali, de jeito nenhum. Lia histórias com finais felizes questionando-se sobre um possível final feliz em sua vida, mas logo lembrava-se de algo que lhe disseram quando era pequena: finais felizes não existem porque, no fim, todos estão mortos. Então contentava-se com meios felizes, momentos felizes. 

Olhar para si mesma e enxergar-se em outro lugar distante era egoísmo? Porque era isso que via: estava longe dali. Meios felizes não pareciam combinar com aquele lugar. E ela não combinava com nada, de qualquer modo. E quando dizia aos outros, respondiam que era uma questão de tempo. Mas não era porque não havia tempo!

Algo simplesmente a avisava, sussurrava, nunca hesitava. O vento de outono, "vá embora".

Prometeu-se que iria assim que pudesse, e iria sem bagagem, sem opiniões prontas, sem achar que sabia tudo! Construiria uma vida com um meio feliz, muito feliz, para depois, no sofrimento do fim, ter suas lembranças e segurar-se nelas para não cair em total desespero. Não cair, nunca cair.

Trees 
(foto por ~loose665 em www.deviantart.com)

9 de mar. de 2011

~

What's going on with you? You've always been a lonely girl and now you are so sad.
Wipe these tears, they will not help you. The world is more important than your pain!
So smile and pretend that you're ok. Because, someday, it will be truth.

foto por *Lady-Tori em www.deviantart.com
O que está havendo com você? Sempre foi uma menina solitária e agora está tão triste.
Enxugue essas lágrimas, elas não irão ajudá-la. O mundo é mais importante do que sua dor!
Então sorria e finja que você está bem. Porque, um dia, será verdade.

2 de mar. de 2011

Olá

Querido Miguel,

     Olá. Não vou perguntar como está. Tenho visto nas manchetes em jornais, revistas e internet. Sei que está muito bem, muito melhor que quando fui embora. Mas eu devo perguntar se já superou sua separação com Daniela. É meu dever, como sua melhor amiga, ou ex-melhor amiga, já que você não responde minhas cartas. Sei que parti seu coração. Sei também que não consegue me perdoar. Fico pensando se pega minhas cartas antes de dormir e as relê, travando uma batalha interior sobre respondê-las os ignorá-las. Gosto de pensar que sente vontade de dizer algo para mim, de talvez me telefonar... Mas também o conheço desde me entendo por gente e lembro que, se quisesse fazê-lo, já o teria feito. Essa é a trigésima terceira carta que te mando neste ano. Gostaria que reconhecesse minhas tentativas.
The letter
( por *yaamas em www.deviantart.com)
     Estou desistindo. Você sabe disso. Sabe que é difícil, para mim, ignorar sua indiferença. Talvez essa seja minha última carta destinada a você. Não sei mais o que dizer ou como explicar minhas atitudes passadas. As outras cartas são repletas de lamentos e explicações, tentativas toscas de expressar como quero que acredite em minhas palavras. Sei que, ao lê-las, sai um riso amargo por entre seus lábios. Mas sei também que você as lê. Lê todas, mesmo que não as responda. Sei que seria incapaz de armazená-las em uma gaveta qualquer sem saber o que digo. Eu já disse que me arrependo de tudo o que falei, e de ter ido embora, e de ter pedido que escolhesse entre minha amizade e sua noiva. Lembro-me de todas as palavras duras e as acusações bobas que saíram de minha boca. Vi a dor nos seus olhos e tenho esperanças de que tenha visto a dor nos meus, também; assim saberá que palavras ditas no calor do momento podem ferir, mas nem sempre são sinceras.
     Eu disse que te odiaria se casasse, querido, mas foi tudo uma grande mentira. E também foi egoísta. Eu devia estar ao seu lado, ser sua madrinha, sorrir de felicidade porque você estava sorrindo. Simplesmente fiz tudo errado conosco, com o que éramos... E olhe o que me tornei: uma pessoa que escreve cartas para outra que nem as responde!
     Pensando bem, continuo sendo a mesma boba que fui, só que com um pouco menos de dignidade. É sua última chance de aceitar minhas desculpas, Miguel, é a última carta que lhe escrevo. Se for ignorada, vou entender como um adeus. Só não finja que não quer dizer olá.

Tenho saudades e odeio admiti-lo. Beijos e cuide-se.
                                                                    Alice. 

Texto feito para o Projeto Bloínquês, 32ª Edição Cartas



Nota: 9.9.
Comentário do avaliador:  "A ganhadora se destacou pela criatividade com a qual usou o tema proposto. Fica a dica! Surpreender é a melhor forma de vencer." (Vinícius Ferrari) 

28 de fev. de 2011

Futuro?

Gostaria de saber se as escolhas que faço são certas. Tento sempre fazê-las pensando no que vai ser, o que vou ser, mas às vezes esqueço que, por fazê-las, vou me tornar. A verdade é que, quanto mais velha fico, quanto mais o tempo passa, menos sei sobre que tipo de pessoa estou construindo com minhas escolhas. Os sonhos de criança ficaram para trás. Querer ser uma princesa não é mais realidade. Princesas sofrem, pois têm que ser princesas o tempo todo. Ninguém quer ser o mesmo sempre. É loucura fingir que somos um só.

As escolhas estão por todos os lados. Eu gostaria de adivinhar ou ter certeza - uma certeza que não existe - que me movo pelos caminhos corretos. Mas são só dúvidas, só perguntas, só tortura. Nunca se pode prever o futuro, simplesmente se pode planejá-lo para que seja o melhor possível - e, mesmo assim, às vezes não é suficiente. Eu cresci, mas me sinto e até sou nova demais para decidir o que quero fazer pelo resto da vida, quem quero ser, para onde quero ir. Porque eu não quero nada, agora. Ou quero. Quero não ter que decidir. Quero a tranqüilidade de não ter que escolher. Mas é claro que, se decidisse viver assim, ainda seria uma escolha, e escolhas me incomodam.

What future holds
(=Eibo-Jeddah em www.deviantart.com)
O que eu vou dizer? O futuro não está escrito. Na minha cabeça ele já esteve todo planejado, mas só até eu descobrir que a maioria dos planos dá errado. Posso escolher parar de planejar, e ainda assim isso é um plano. A hipocrisia de não ter escolha senão escolher. Talvez seja uma guerra, cada decisão uma batalha, vencida ou perdida, mas como vou saber?

Não vou. E isso me mata.