26 de jul. de 2011

Palavras

Acordara e já não sabia que dia era, ou de que mês. O sol brilhava no topo do céu. Esticou-se e olhou ao redor. O quarto, revirado. Não tanto quanto seu cérebro. Roupas rasgadas pelo chão, cacos de vidro, duas garrafas de whisky vazias e, por tudo que era mais sagrado, sua cabeça ia explodir.

Lentamente lembrou-se de fragmentos da noite anterior. Chegara de uma viagem de negócios e encontrara seu noivo com uma mulher no apartamento. Sim, era isso. Seu coração doeu quando recordou a cena. Devagar percebeu que havia sangue na cama. Seu braço estava cortado e sua testa também. Nada demais. Nada que não curasse mais cedo ou mais tarde. Nada comparado ao estrago por dentro.

Riu irônica. Lembrou-se do "não é nada disso que você está pensando, eu posso explicar tudo...". Riu ainda mais quando percebeu que aqueles cacos de vidro eram resquícios da briga dos dois. E ela atirara nele tudo o que estava em sua frente: vasos, porta-retratos, copos... E então desabou, gritando de horror. Prestes a se casar e totalmente perdida. Prestes a formar uma família com um homem capaz de humilhá-la daquela forma. Fora enganada. Mas, acima de tudo, conformou-se com o pouco que ele dava! E sabia, no fundo, que merecia mais, muito mais! Então por que diabos estava passando por aquilo tudo? Era sua culpa, tudo sua culpa. Devia ter percebido as mentiras, as desculpas, era tão óbvio. E ele, assustado, enquanto a via desabar, correu como se não houvesse consequências. E as consequências estavam todas ali.

Tanto tempo perdido, murmurou a si mesma e a cabeça latejou. Lembrava de ter recortado cada uma das roupas dele enquanto bebia todo o estoque de whisky. E lembrava de ter ligado para sua mãe, no meio da noite, e ter desligado quando ela atendeu. Não queria que soubessem de sua desgraça interior, de seu fracasso latente. Mas saberiam, de qualquer forma. Tinha que ficar bem logo, levantar a cabeça de uma vez por todas e sorrir como se tudo fosse natural, como se não doesse.

O telefone tocou. Era ele, viu no visor. O desgraçado que a enganara durante anos. O homem que sempre dizia as palavras certas. O homem que a conquistara com seu estilo arrogante e superior. Mas não adiantava saber tudo o que as mulheres querem ouvir quando não agia com honra, com amor. E palavras não são o suficiente, apesar de serem necessárias. Suspirou, puxou o telefone para seu ouvido e atendeu.

"Eu posso explicar", de novo. E outra vez ela riu. 
"As palavras perfeitas nunca passaram pela minha mente. Até hoje", murmurou ela dolorida, mas firme. "Talvez um adeus bastasse, mas vá se foder está muito mais na moda".
"Se você me escutasse..."

Cansara de escutá-lo. Acusações e desculpas não mudariam nada. Ele havia jogado fora anos em segundos. E nada a faria voltar atrás. Nem as mais lindas palavras do mundo apagariam as imagens em sua mente. 

"Palavras até me conquistam temporariamente,
mas atitudes me ganham ou me perdem para sempre."
Clarice Lispector

Foto por *ArmyBrat1521 em www.deviantart.com





19 de jul. de 2011

Tarde demais

De Débora Vargas
Para Arthur Siciliano

21/06/1999

Para você é tão fácil esquecer. É tão fácil perdoar. Não posso entendê-lo. Juro, juro, é tudo tão confuso. É como se, quando nos falássemos, todas as minhas certezas se fossem. Você traz perguntas à minha mente que não sou capaz de responder. E quando você demora para responder essas cartas meu coração se aperta de saudade, de ciúme. Dói muito, sabia? Quando você consegue viver sem mim, dói. E eu sei que consigo viver sem você, mas não queria. Porque somos perfeitos juntos, porque você é perfeito para mim. Ou era. 

Arthur, você é um bobo! Foi embora por escolha própria atrás de um sonho impossível e o está alcançando! Mas você está me perdendo, também. Isso não é ruim? É ruim para mim. Porque eu espero um, às vezes dois meses para receber uma carta sua dizendo que sente saudades. Se sentisse realmente por mim a saudade que sinto por ti, não conseguiria ficar sem escrever por tanto tempo.

E eu sei, não sou boba, sei que conquistou outras meninas com a sua inteligência e com o seu jeito. Com seus olhos. Que já foram meus, mas que já não são. Quando você foi, por que não pediu aquilo que qualquer homem apaixonado pediria? Por que você não disse para mim, assim, com aquele seu jeitinho aloprado e certo de tudo: "Vamos fugir?" Faltou o quê? Faltou eu dizer que te amava? Mas você sabia, eu sou louca por tudo o que você faz, aceito todas as suas loucuras, me agarro às mais bobas certezas só para ter você ao meu lado! Era absolutamente claro que te amava! E, mesmo assim, preferiu ir sem mim. Em busca do sonho que eu sempre disse para você sonhar. Em busca de algo que eu obviamente te ajudaria a conquistar. E agora estou aqui, enlouquecendo de saudades e de dúvidas e dizendo esse monte de coisas que eu nunca me julguei capaz. Estou me humilhando.

E, sabe, agora é tarde. Eu fugiria com você sem pestanejar. No passado. Agora não há qualquer mínima chance de eu desistir de tudo por alguém que nunca desistiu de nada por mim. Não vamos mais fugir, nunca mais. E, por mais que doa, meu coração não será mais esmagado pela sua indiferença. Não mande mais cartas.

Eu estou fugindo, sim. Mas é de você. E de todas essas feridas que você sempre abre com a inquietante frieza de suas palavras, mesmo que inconsciente. Não significo mais muito para você. E estar sozinha pode ser triste, mas é mais triste ainda amar e não ser amada o suficiente. Não aceito mais metades. Quero tudo que é meu. Se você não é, fujo. E vou atrás da felicidade.

Com carinho,
Débora.

Foto por  `gilad em www.deviantart.com

12 de jul. de 2011

De volta

Olhava as estrelas pela janela. Somente uma ou duas brilhavam naquela noite. E a lua não estava lá.

Seu coração estava partido. Sabia que, cedo ou tarde, tudo voltava para o lugar. Mas, até lá, doeria. E podia estar doendo mais que qualquer coisa no mundo, mas nunca se humilharia por ele. Era verdade, não lhe merecia. E esteve ao lado dele todo aquele tempo! Que boba. Tão inteligente para umas coisas e a mais ingênua das criaturas quando o assunto era ele. E ainda bem que doía tanto ter seu orgulho ferido, ter seu amor jogado fora, pois assim não se esqueceria.


Don't you know I'm not your ghost anymore?
You lost the love I loved the most.

E as pessoas diziam para ela que amar é bom. Deve mesmo ser, riu ironicamente. Quando é recíproco. Quando se ama alguém decente, alguém de verdade. Não uma imagem, uma personagem.

Mas o pior, o pior de tudo era saber que ele tinha dito que a amava. Mas, é claro, como era de se esperar, dizia isso para todas as outras. E zombava de cada coração que esmagava com sua arrogância. A prepotência dela a levara onde estava. Merecia estar ferida por achar que seria a pessoa que mudaria a vida dele. Ninguém muda a vida de ninguém se a pessoa não quer mudar. Isso aprendera duramente. Mas tudo bem, disse-se, vai passar, vai passar.

Sofrer por amor é melhor que não sentir nada. Sofrer por ódio talvez também seja. Só que o preço que se paga às vezes é alto demais. Dessa vez custara sua confiança nas pessoas, nas palavras, nos sentimentos. Porque ela estava cega por querê-lo e querer querê-lo. E não viu que ele a tinha nas mãos. E aquelas mãos não mereciam segurar seu coração. Ninguém a teria em mãos novamente. Não sofreria assim por mais ninguém. Porque não importa o quanto se ame alguém, nunca se deve amá-lo mais do que a si mesma. Ninguém estaria a sua frente, nunca mais! 

E a lua, pobre lua, tendo sua luz ofuscada pelas nuvens densas que cobriam o céu. As estrelas pouco brilhavam naquela noite. O que mais chamava atenção era a vergonha, que estava praticamente escrita em sua testa. E a dor que escorria como lágrimas de raiva. Raiva de si mesma por não saber que ele era como era. Raiva de ter sido enganada e raiva de seu coração ter escolhido, mais uma vez, amar alguém errado. Alguém que não quer ser amado. Alguém que não sabe o que significa verdadeiramente gostar de alguém.


You're gonna catch a cold
From the ice inside your soul.
So don't come back for me!
Who do you think you are?

Com um suspiro, aceitou o preço. Pagou. E decidiu que, a partir daquele momento, quem receberia era ela. Cada centavo de volta. Cada lágrima de volta. Cada pedaço do seu coração. De volta.


Música: Jar of hearts - Christina Perri.