Nunca quis ser a sombra de alguém. Nunca quis dever, ser enganada, errar. Não quis misturar as coisas, não quis dividi-las. De jeito nenhum quis ser fria, realista demais, prática. Fico feliz de ter descoberto algumas verdades, mas nunca quis que elas existissem. Não quis saber, de todo o modo, mais do que deveria. Não quis ter certeza de coisas assustadoramente reais.
Não quero esperar a morte, não quero afastar pessoas, não quero ser engraçada demais ou séria demais, também. Nunca tive a intenção de quebrar corações nem de ser machucada. E seria hipocrisia dizer que nunca quis vingança, porque eu quis, eu quero. Eu não quero dúvida, de qualquer modo. Não quero esse sentimento de aperto no peito, tudo isso que acontece quando a gente não sabe como sair de uma situação incômoda. Nunca quis essa pressa, o tempo passando sem eu sequer perceber, as pessoas vindo, indo e voltando como se fosse simples assim, como se não devessem nada a ninguém, como se não devessem nada pra mim. Eu quis dizer muitas coisas que não disse, mas queria poder nunca ter dito outras. Eu nunca quis não conseguir amar. Não queria ser tão fechada, talvez até vazia. Mas também nunca quis ser a boba que ama tanto alguém que esquece de se amar. Nunca quis me aproveitar das fraquezas de ninguém porque nunca quis sabê-las.
Não quis brincar que os contos de fadas são reais. Não quis que fosse uma brincadeira. E, acima de qualquer outra coisa, eu nunca quis arrependimentos. Então, como prioridade máxima, não me arrependerei. Que seja bom e que acabe antes de se tornar ruim. Que acabe para poder começar tudo de novo.
Tenho medo de já ter perdido muito tempo. Tenho medo que seja cada vez mais difícil. Tenho medo de endurecer, de me fechar, de me encarapaçar dentro de uma solidão-escudo.
Caio Fernando Abreu