30 de mar. de 2011

Lembre-se bem

Cara Mariana,

Lembrei de você. Você achou que eu havia lhe esquecido? Lembro de você a todo o instante, na verdade, mas de alguma forma tinha que começar esta carta. É claro que eu gostaria de lembrar mais. De cada traço do seu rosto, sabe, e do cheirinho que você tem. Queria lembrar de como a vida é linda quando se há um motivo para viver. Eu queria ter lembranças para contar a você agora, para tentar lhe provar que tudo o que eu fiz foi por amor. Mas não posso mais mentir. Eu te amava, é claro, e te amo com todas as minhas forças – mas escolhi a mim mesma. Agora sei, no entanto, que só sobrevivi todos esses anos, não vivi. Sobreviver é fácil e você já é uma moça, deve saber disso. Viver intensamente é que é difícil. É difícil desistir de velhos sonhos para construir novos. E é difícil pensar antes de agir. Todos pensam que viver é só arriscar, só ouvir o coração, mas não é. Viver é escolher, o tempo todo. E as escolhas quase sempre devem ser bem pensadas. As conseqüências são cruéis, às vezes. Elas destroem quem somos e o que queríamos ser. Deitada nesta cama de hospital, sozinha, sei que a única pessoa que poderia me amar incondicionalmente me odeia. E com razão.

Eu te considerei um erro de percurso e, querendo ou não, você foi, Mariana. No entanto, foi o erro mais lindo que cometi. E o único do qual não me arrependo. Quando você nasceu e eu olhei nos seus grandes olhos ingênuos, eu te amei. Amei-te tanto que não pude suportar. É um erro que pessoas como eu, medrosas, cometem. Têm medo de amar sem medidas. Agora eu estou morrendo. Fisicamente. Porque uma parte de mim já está morta há 18 anos, desde que lhe deixei nos braços de seu pai e fugi. Eu corri durante dias, você sabia? Meu coração estava tão apertado! E mesmo assim não soube perceber que tinha tomado a decisão errada. E eu nunca voltei para perto de você. Foi o medo de não lhe merecer e o costume de estar só que me fixaram longe do seu caminho. Sabe, eu mereço sofrer. E mereço morrer sozinha. Você pode me odiar. Eu fui horrível, fui egoísta, fui fraca. Mas lembro de você. Nunca poderia esquecer. Porque você tem sido o meu motivo para sobreviver. Eu queria ter vivido, Mariana. Gostaria de ter sido uma mãe para você. Mas o que me resta é aguardar o descanso.

Torço para que a morte seja um sonho lindo. Se isso se realizar, vou sonhar o resto da eternidade com você. Seria o meu maior presente. Lembre-se bem disso.

Carinhosamente e com muito amor, sua mãe.

I miss you
(foto por ~Smiliess em www.deviantart.com)



Texto escrito para o Projeto Bloínquês (36ª Edição Cartas).

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