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16 de ago. de 2011

E eu preciso de você, mas e depois?

E eu te deixo, mas e depois?

Talvez devesse sorrir, ainda que ferida; talvez devesse chorar, só para variar, ou desabar nos braços de quem pudesse lhe segurar. Mas não havia nada que devesse fazer que realmente conseguisse. Não tinha vontade de fazer nada. Com os olhos fechados conseguia sonhar que nada daquilo era real, que não passava de um sonho macabro, que sua mente era terrivelmente incontrolável. Queria que suas ilusões engolissem o tempo, acabassem com as dúvidas, fechassem as feridas. Mas seus olhos estarem fechados não mudava o fato de que seu coração nunca estivera tão estraçalhado. Desde menina tivera sonhos simples, lembranças de um conto de fadas que nunca vivera. Apesar de cuidadosa, sonhava alto; apesar de parecer fria, sua sensibilidade ultrapassava os limites saudáveis; apesar do pessimismo aparente, esperava que tudo desse certo. Seu erro era fingir ser sua própria fortaleza. E então, quando deu por si, estava apaixonada.

Não pelo príncipe encantado nem pelo homem certo. Não pelo garoto dos seus sonhos nem por alguém que merecia esse amor. Alguém que estava ao seu lado, alguém que tinha mil defeitos; ela conhecia todos. Isso era ainda mais triste. Conhecendo-o tão bem, conhecia as impossibilidades. E as brincadeiras a feriam devastadoramente; quase acreditava e o tombo era sempre grande demais.

"O que, eu minto tão mal?" - ele sorria ao perguntar.
Percebi a mentira através do seu olhar - queria dizer e, no fim, nada dizia.

Já não podia mais fingir, ou podia? Conseguiria olhá-lo todos os dias nos olhos como se não sentisse nada? Como se seu coração não saltasse de medo, dor e paixão? Tudo bem, seguiria, um dia tudo isso passaria. Mas e então? Até quando teria que lidar com aquele vão no peito? Até onde seria capaz de ir com aquele grito preso na garganta, com as silenciosas declarações de amor?

Nem todos aguentam mentiras e eu ignoro isso, mas e depois?

Fugir não a levaria a lugar nenhum porque não tinha para onde fugir. Aquele sentimento não devia existir, aquela vontade de ser a única para ele não devia existir, aquele brilho no olhar não devia existir. E, no entanto, como se fosse de propósito, existiam. Ninguém acreditava neles, ninguém imaginava. O assustador era a certeza de amá-lo e não poder amar. Procuraria outros amores, talvez, ou outras maneiras de esquecê-lo. Lutar contra o mundo todo, no entanto, seria um milhão de vezes mais fácil do que lutar contra si mesma.

Talvez depois eu vá embora para sempre.

Música: Brush it off - Plan Three.
Conto para Projeto Blóinquês.

26 de jul. de 2011

Palavras

Acordara e já não sabia que dia era, ou de que mês. O sol brilhava no topo do céu. Esticou-se e olhou ao redor. O quarto, revirado. Não tanto quanto seu cérebro. Roupas rasgadas pelo chão, cacos de vidro, duas garrafas de whisky vazias e, por tudo que era mais sagrado, sua cabeça ia explodir.

Lentamente lembrou-se de fragmentos da noite anterior. Chegara de uma viagem de negócios e encontrara seu noivo com uma mulher no apartamento. Sim, era isso. Seu coração doeu quando recordou a cena. Devagar percebeu que havia sangue na cama. Seu braço estava cortado e sua testa também. Nada demais. Nada que não curasse mais cedo ou mais tarde. Nada comparado ao estrago por dentro.

Riu irônica. Lembrou-se do "não é nada disso que você está pensando, eu posso explicar tudo...". Riu ainda mais quando percebeu que aqueles cacos de vidro eram resquícios da briga dos dois. E ela atirara nele tudo o que estava em sua frente: vasos, porta-retratos, copos... E então desabou, gritando de horror. Prestes a se casar e totalmente perdida. Prestes a formar uma família com um homem capaz de humilhá-la daquela forma. Fora enganada. Mas, acima de tudo, conformou-se com o pouco que ele dava! E sabia, no fundo, que merecia mais, muito mais! Então por que diabos estava passando por aquilo tudo? Era sua culpa, tudo sua culpa. Devia ter percebido as mentiras, as desculpas, era tão óbvio. E ele, assustado, enquanto a via desabar, correu como se não houvesse consequências. E as consequências estavam todas ali.

Tanto tempo perdido, murmurou a si mesma e a cabeça latejou. Lembrava de ter recortado cada uma das roupas dele enquanto bebia todo o estoque de whisky. E lembrava de ter ligado para sua mãe, no meio da noite, e ter desligado quando ela atendeu. Não queria que soubessem de sua desgraça interior, de seu fracasso latente. Mas saberiam, de qualquer forma. Tinha que ficar bem logo, levantar a cabeça de uma vez por todas e sorrir como se tudo fosse natural, como se não doesse.

O telefone tocou. Era ele, viu no visor. O desgraçado que a enganara durante anos. O homem que sempre dizia as palavras certas. O homem que a conquistara com seu estilo arrogante e superior. Mas não adiantava saber tudo o que as mulheres querem ouvir quando não agia com honra, com amor. E palavras não são o suficiente, apesar de serem necessárias. Suspirou, puxou o telefone para seu ouvido e atendeu.

"Eu posso explicar", de novo. E outra vez ela riu. 
"As palavras perfeitas nunca passaram pela minha mente. Até hoje", murmurou ela dolorida, mas firme. "Talvez um adeus bastasse, mas vá se foder está muito mais na moda".
"Se você me escutasse..."

Cansara de escutá-lo. Acusações e desculpas não mudariam nada. Ele havia jogado fora anos em segundos. E nada a faria voltar atrás. Nem as mais lindas palavras do mundo apagariam as imagens em sua mente. 

"Palavras até me conquistam temporariamente,
mas atitudes me ganham ou me perdem para sempre."
Clarice Lispector

Foto por *ArmyBrat1521 em www.deviantart.com





19 de jul. de 2011

Tarde demais

De Débora Vargas
Para Arthur Siciliano

21/06/1999

Para você é tão fácil esquecer. É tão fácil perdoar. Não posso entendê-lo. Juro, juro, é tudo tão confuso. É como se, quando nos falássemos, todas as minhas certezas se fossem. Você traz perguntas à minha mente que não sou capaz de responder. E quando você demora para responder essas cartas meu coração se aperta de saudade, de ciúme. Dói muito, sabia? Quando você consegue viver sem mim, dói. E eu sei que consigo viver sem você, mas não queria. Porque somos perfeitos juntos, porque você é perfeito para mim. Ou era. 

Arthur, você é um bobo! Foi embora por escolha própria atrás de um sonho impossível e o está alcançando! Mas você está me perdendo, também. Isso não é ruim? É ruim para mim. Porque eu espero um, às vezes dois meses para receber uma carta sua dizendo que sente saudades. Se sentisse realmente por mim a saudade que sinto por ti, não conseguiria ficar sem escrever por tanto tempo.

E eu sei, não sou boba, sei que conquistou outras meninas com a sua inteligência e com o seu jeito. Com seus olhos. Que já foram meus, mas que já não são. Quando você foi, por que não pediu aquilo que qualquer homem apaixonado pediria? Por que você não disse para mim, assim, com aquele seu jeitinho aloprado e certo de tudo: "Vamos fugir?" Faltou o quê? Faltou eu dizer que te amava? Mas você sabia, eu sou louca por tudo o que você faz, aceito todas as suas loucuras, me agarro às mais bobas certezas só para ter você ao meu lado! Era absolutamente claro que te amava! E, mesmo assim, preferiu ir sem mim. Em busca do sonho que eu sempre disse para você sonhar. Em busca de algo que eu obviamente te ajudaria a conquistar. E agora estou aqui, enlouquecendo de saudades e de dúvidas e dizendo esse monte de coisas que eu nunca me julguei capaz. Estou me humilhando.

E, sabe, agora é tarde. Eu fugiria com você sem pestanejar. No passado. Agora não há qualquer mínima chance de eu desistir de tudo por alguém que nunca desistiu de nada por mim. Não vamos mais fugir, nunca mais. E, por mais que doa, meu coração não será mais esmagado pela sua indiferença. Não mande mais cartas.

Eu estou fugindo, sim. Mas é de você. E de todas essas feridas que você sempre abre com a inquietante frieza de suas palavras, mesmo que inconsciente. Não significo mais muito para você. E estar sozinha pode ser triste, mas é mais triste ainda amar e não ser amada o suficiente. Não aceito mais metades. Quero tudo que é meu. Se você não é, fujo. E vou atrás da felicidade.

Com carinho,
Débora.

Foto por  `gilad em www.deviantart.com

12 de jul. de 2011

De volta

Olhava as estrelas pela janela. Somente uma ou duas brilhavam naquela noite. E a lua não estava lá.

Seu coração estava partido. Sabia que, cedo ou tarde, tudo voltava para o lugar. Mas, até lá, doeria. E podia estar doendo mais que qualquer coisa no mundo, mas nunca se humilharia por ele. Era verdade, não lhe merecia. E esteve ao lado dele todo aquele tempo! Que boba. Tão inteligente para umas coisas e a mais ingênua das criaturas quando o assunto era ele. E ainda bem que doía tanto ter seu orgulho ferido, ter seu amor jogado fora, pois assim não se esqueceria.


Don't you know I'm not your ghost anymore?
You lost the love I loved the most.

E as pessoas diziam para ela que amar é bom. Deve mesmo ser, riu ironicamente. Quando é recíproco. Quando se ama alguém decente, alguém de verdade. Não uma imagem, uma personagem.

Mas o pior, o pior de tudo era saber que ele tinha dito que a amava. Mas, é claro, como era de se esperar, dizia isso para todas as outras. E zombava de cada coração que esmagava com sua arrogância. A prepotência dela a levara onde estava. Merecia estar ferida por achar que seria a pessoa que mudaria a vida dele. Ninguém muda a vida de ninguém se a pessoa não quer mudar. Isso aprendera duramente. Mas tudo bem, disse-se, vai passar, vai passar.

Sofrer por amor é melhor que não sentir nada. Sofrer por ódio talvez também seja. Só que o preço que se paga às vezes é alto demais. Dessa vez custara sua confiança nas pessoas, nas palavras, nos sentimentos. Porque ela estava cega por querê-lo e querer querê-lo. E não viu que ele a tinha nas mãos. E aquelas mãos não mereciam segurar seu coração. Ninguém a teria em mãos novamente. Não sofreria assim por mais ninguém. Porque não importa o quanto se ame alguém, nunca se deve amá-lo mais do que a si mesma. Ninguém estaria a sua frente, nunca mais! 

E a lua, pobre lua, tendo sua luz ofuscada pelas nuvens densas que cobriam o céu. As estrelas pouco brilhavam naquela noite. O que mais chamava atenção era a vergonha, que estava praticamente escrita em sua testa. E a dor que escorria como lágrimas de raiva. Raiva de si mesma por não saber que ele era como era. Raiva de ter sido enganada e raiva de seu coração ter escolhido, mais uma vez, amar alguém errado. Alguém que não quer ser amado. Alguém que não sabe o que significa verdadeiramente gostar de alguém.


You're gonna catch a cold
From the ice inside your soul.
So don't come back for me!
Who do you think you are?

Com um suspiro, aceitou o preço. Pagou. E decidiu que, a partir daquele momento, quem receberia era ela. Cada centavo de volta. Cada lágrima de volta. Cada pedaço do seu coração. De volta.


Música: Jar of hearts - Christina Perri.

20 de jun. de 2011

Margaridas no jardim

Abriu aqueles armários empoeirados. Olhou aquelas prateleiras com fotografias antigas, livros, relíquias de família. Nada era desconhecido. E, olhando para a parede central, via a si mesma, no jardim daquela casa, sorrindo  abertamente com um coelhinho branco nos braços. O mesmo sorriso que deu ao se lembrar dos dias quentes de verão, da brisa na sacada, das árvores frutíferas, das primaveras cheias de margaridas, dos pássaros cantando pela manhã.

A cama ainda estava feita, coberta com colchas feitas à mão e travesseiros de pena de ganso. A cortina, fechada. E pelo cheiro do quarto sabia-se que aquela janela já não era aberta fazia tempo. Podia ouvir os ratos caminhando no forro da casa onde crescera e vivera momentos lindos. Momentos que já não seriam vividos naquele lugar. Um lugar que, agora, era de ninguém.

Seu pai, quando ainda era uma garotinha, morrera. E, fazia dois anos, sua mãe também. Desde então aquela casa estava abandonada. Sentia-se forte o suficiente para ir até lá agora, depois de tantos anos. Fora difícil tomar aquela decisão porque sabia que não seria nada fácil. E tinha razão. Em seu coração havia um enorme buraco negro. Até as lágrimas ele sugava. Era a coisa mais triste do mundo olhar para aquele lugar e não enxergar a vida que lhe era peculiar em infância. Tudo se perdera. Tudo estava perdido. E ela estava lá, tão só e tão ferida que nem tinha forças para ir embora.

Não sabia quando isso acontecera. Tampouco queria saber. Queria que as boas memórias fossem mais fortes que o fato de nada mais ser lindo naquele lugar. E a menina que crescera lá com brilho nos olhos já não via mais brilho naquela casa sem vida. Abriu os armários, tocou as roupas de seus pais com pesar e com saudade. Cheirou algumas delas, tentando procurar algum resquício de seus cheiros. Não lembrava mais de seus cheiros. E, sentindo-se boba, chorou, finalmente. Queria tanto lembrar, como é que podia esquecer algo assim? Desolada, mirou o jardim de grama alta, inços e árvores mortas. 

Tudo estava morto. Todos estavam mortos. E ela, viva, desesperada, perdida naquela ilha de esquecimento. De repente tudo ficou escuro. Não tão de repente, mas de repente demais para ela. Era noite e havia passado horas em nostalgia sem ao menos se dar conta. Eram muitas histórias. Histórias que jamais seriam  contadas.

Saindo daquela casa para nunca mais voltar, olhou mais uma vez para o jardim esquecido. E, como se fosse uma viagem ao seu passado, avistou margaridas balançando no pé de uma figueira antiga, na qual subia quando menina. Sentiu como se as margaridas sorrissem para ela. Estavam vivas. Ainda havia vida perdida naquele passado presente. Ela não era, e ainda bem que não, o único vestígio daqueles momentos.

As flores acenavam, numa noite de primavera, e pediam para que voltasse.




27 de abr. de 2011

Presente de grego

LEIA A CARTA ANTES DE ABRIR O EMBRULHO.

“Pedro,
Isso que te envio, essa carta, esse embrulho, tudo isso é um presente de grego. Quero destruir os muros que nos separam, quero batalhar com você por você e, no fim, quero vencer. Eu sempre quero vencer, você sabe disso. Conhece esse meu defeito, esse fato bobo de eu simplesmente não aceitar “não” como resposta quando o que eu quero ouvir é um “sim”. Não sou doida, não, sei que sorri quando digo isso, mas sabe que é verdade... Eu sou certa, bem certa do que quero. E, que alguém me ajude, eu quero você. Demorei em admiti-lo, demorei a querer sentir isso que estou sentindo. Como disse Clarice Lispector, alguma vez, “Que medo alegre, o de te esperar”. Sinto um frio na barriga, um vazio no peito, mas quando me lembro do jeito que você sorri quando olha para mim... É como se todos os medos nunca tivessem existido. E, ah, me esqueci de avisá-lo, sou mesmo clichê. A boba, a romântica, porém cética. Aquela que acredita no amor, mas tem medo de amar. Você me encontrou. Isso é um fato. A grande pergunta é: você me quer? Você gostou de ter tropeçado em mim? Você sente seu coração acelerar quando me vê? Gosta do meu perfume? Lembra do meu rosto antes de dormir?

Eu tenho esse presente para te entregar, é claro. É um embrulho simples, como eu. E com simples quero dizer sem muito ornamento, sabe, sem uma beleza de encher os olhos, sem os detalhes que tiram o fôlego de todos. Mas quando você olha para esse embrulho, perde o ar? Está curioso, Pedro? Porque eu estaria. Como estava dizendo, não é nada muito chamativo. Mas o que tem dentro significa muito para mim. Quero que tente ver com meus olhos esse presente. Por favor, chacoalhe a caixa. Ouviu alguma coisa?

Abra o embrulho, Pedro. Você é muito inteligente, é sagaz, é esperto, é lindo. Já sabe o que te dou, não é? Ou melhor, o que te empresto, o que te entrego. Não é material, não tem cor, não tem cheiro. Tem sentido, e só, mas isso é muito! É o meu amor. Ele estava guardado em uma caixa que foi aberta por você. Agora lhe pertence. E você tem duas opções, Pedro: feche essa caixa, lacre-a e devolva-me sem nunca, nunca olhar para trás. Ou aceite meu amor e me ame de volta, mesmo sabendo que sou assim, imperfeita, completamente imperfeita. Quando você leu isso, seu coração ficou quente como o meu fica enquanto espero sua resposta? Se sim, parabéns, você está me amando. 
                                                                                                                             Beijos,
                                                                                                                                             Lia.”

Foto por ~ra3iatha em www.deviantart.com


20 de abr. de 2011

Sem mais erros

 Por que não podemos começar tudo de novo? – suspirou ele ao pé de seu ouvido, segurando-a em um abraço forte que significava desespero e não amor. Nada mais significava amor ali havia um tempo. Um tempo que ela parara de contar para parar de se ferir.

As coisas não deram certo, disse-se, assim era a vida o tempo todo para todas as pessoas do mundo. Dor, sofrimento e novos começos, para então encontrar novas felicidades, novos objetivos. Não velhas histórias começando de novo. O mundo, as pessoas, as ideias, os sentimentos, tudo isso tinha que mudar. Se ficasse sempre na mesma, se nada saísse da rotina, se não existissem surpresas, se tudo fosse sempre igual, o que seria a vida? Um erro repetido e repetido até a porcaria do último suspiro? Separou-se do abraço, deixando a tristeza e as lágrimas de lado, determinada a simplesmente seguir sua vida sem perder-se nos mesmos caminhos errados. Os atalhos não eram apropriados para uma mulher como ela. Estava cansada das escolhas fáceis.

– Porque não se insiste nos erros – respondeu rapidamente, fechando sua mala enquanto o homem que ela um dia julgara ser sua vida olhava-se no espelho com os olhos inchados e vermelhos.

– Não somos um erro – murmurou ressentido. Era ódio que ela ouvia? Ou era acusação? Por que acusá-la de quê, realmente? Ela fizera de tudo para não tomar aquela atitude, mas não aguentava mais fingir.

Não podia mais mentir que estar ali era o que queria, que aquela luta valia a pena. Nada valia a pena se a consequência fosse aquele sentimento de aperto e vazio no peito. Nada, absolutamente nada justificava aquele sofrimento. A dor de perder pras circunstâncias, a dor de ter que ir embora, de ter que dizer a verdade, de ter que assumir a responsabilidade por não ter dado certo. O medo de estar errada, de se arrepender, de nunca mais se perdoar. E a certeza, no fundo, de que o amor acabou.

– Será que você pode parar pra ouvir o que eu tenho a dizer ou é difícil demais? Nós somos um erro, sim. Pode ser que não tenhamos sido no passado, mas no presente somos. E eu não quero mais errar!

– Podemos voltar a ser o que fomos.

Ela riu asperamente. Não, não podiam. As coisas mudam porque as pessoas mudam, e quando as pessoas mudam e as coisas mudam, nada nunca mais é como foi. E ainda bem! Não era difícil entender, mas ele não queria enxergar que já não havia futuro naquela relação, naquela casa, naqueles beijos, naquelas palavras soltas, vazias e às vezes mentirosas! Era antiético mentir para os outros, concluiu, mas era inadmissível mentir para si mesma. Estava farta de mentiras, de conveniência. O mundo estava de cabeça para baixo e doía, doía muito manter seus pés cravados no chão. Um dia, porém, esperava sorrir de toda aquela bagunça. Porque também estava cansada de lágrimas. Queria viver novos dias doces, novas estações floridas, novos sorrisos verdadeiros.

– Não quero ser quem eu fui. Eu quero ser quem sou – suspirou inquieta, dolorida, mas simplesmente aliviada. Menos o peso da Terra em suas costas. Mais sinceridade dali em diante.

Não tente vir, queria dizer a ele, mas o ouviu bater e trancar a porta do banheiro. Não me procure, quase disse, porém entendeu que já havia dor suficiente. Então saiu do apartamento com as malas em mãos e fechou aquela porta de sua vida para sempre.

Foto por *C-Hass em www.deviantart.com


Texto escrito para o Projeto Bloínquês (65ª Edição Musical).



30 de mar. de 2011

Lembre-se bem

Cara Mariana,

Lembrei de você. Você achou que eu havia lhe esquecido? Lembro de você a todo o instante, na verdade, mas de alguma forma tinha que começar esta carta. É claro que eu gostaria de lembrar mais. De cada traço do seu rosto, sabe, e do cheirinho que você tem. Queria lembrar de como a vida é linda quando se há um motivo para viver. Eu queria ter lembranças para contar a você agora, para tentar lhe provar que tudo o que eu fiz foi por amor. Mas não posso mais mentir. Eu te amava, é claro, e te amo com todas as minhas forças – mas escolhi a mim mesma. Agora sei, no entanto, que só sobrevivi todos esses anos, não vivi. Sobreviver é fácil e você já é uma moça, deve saber disso. Viver intensamente é que é difícil. É difícil desistir de velhos sonhos para construir novos. E é difícil pensar antes de agir. Todos pensam que viver é só arriscar, só ouvir o coração, mas não é. Viver é escolher, o tempo todo. E as escolhas quase sempre devem ser bem pensadas. As conseqüências são cruéis, às vezes. Elas destroem quem somos e o que queríamos ser. Deitada nesta cama de hospital, sozinha, sei que a única pessoa que poderia me amar incondicionalmente me odeia. E com razão.

Eu te considerei um erro de percurso e, querendo ou não, você foi, Mariana. No entanto, foi o erro mais lindo que cometi. E o único do qual não me arrependo. Quando você nasceu e eu olhei nos seus grandes olhos ingênuos, eu te amei. Amei-te tanto que não pude suportar. É um erro que pessoas como eu, medrosas, cometem. Têm medo de amar sem medidas. Agora eu estou morrendo. Fisicamente. Porque uma parte de mim já está morta há 18 anos, desde que lhe deixei nos braços de seu pai e fugi. Eu corri durante dias, você sabia? Meu coração estava tão apertado! E mesmo assim não soube perceber que tinha tomado a decisão errada. E eu nunca voltei para perto de você. Foi o medo de não lhe merecer e o costume de estar só que me fixaram longe do seu caminho. Sabe, eu mereço sofrer. E mereço morrer sozinha. Você pode me odiar. Eu fui horrível, fui egoísta, fui fraca. Mas lembro de você. Nunca poderia esquecer. Porque você tem sido o meu motivo para sobreviver. Eu queria ter vivido, Mariana. Gostaria de ter sido uma mãe para você. Mas o que me resta é aguardar o descanso.

Torço para que a morte seja um sonho lindo. Se isso se realizar, vou sonhar o resto da eternidade com você. Seria o meu maior presente. Lembre-se bem disso.

Carinhosamente e com muito amor, sua mãe.

I miss you
(foto por ~Smiliess em www.deviantart.com)



Texto escrito para o Projeto Bloínquês (36ª Edição Cartas).

2 de mar. de 2011

Olá

Querido Miguel,

     Olá. Não vou perguntar como está. Tenho visto nas manchetes em jornais, revistas e internet. Sei que está muito bem, muito melhor que quando fui embora. Mas eu devo perguntar se já superou sua separação com Daniela. É meu dever, como sua melhor amiga, ou ex-melhor amiga, já que você não responde minhas cartas. Sei que parti seu coração. Sei também que não consegue me perdoar. Fico pensando se pega minhas cartas antes de dormir e as relê, travando uma batalha interior sobre respondê-las os ignorá-las. Gosto de pensar que sente vontade de dizer algo para mim, de talvez me telefonar... Mas também o conheço desde me entendo por gente e lembro que, se quisesse fazê-lo, já o teria feito. Essa é a trigésima terceira carta que te mando neste ano. Gostaria que reconhecesse minhas tentativas.
The letter
( por *yaamas em www.deviantart.com)
     Estou desistindo. Você sabe disso. Sabe que é difícil, para mim, ignorar sua indiferença. Talvez essa seja minha última carta destinada a você. Não sei mais o que dizer ou como explicar minhas atitudes passadas. As outras cartas são repletas de lamentos e explicações, tentativas toscas de expressar como quero que acredite em minhas palavras. Sei que, ao lê-las, sai um riso amargo por entre seus lábios. Mas sei também que você as lê. Lê todas, mesmo que não as responda. Sei que seria incapaz de armazená-las em uma gaveta qualquer sem saber o que digo. Eu já disse que me arrependo de tudo o que falei, e de ter ido embora, e de ter pedido que escolhesse entre minha amizade e sua noiva. Lembro-me de todas as palavras duras e as acusações bobas que saíram de minha boca. Vi a dor nos seus olhos e tenho esperanças de que tenha visto a dor nos meus, também; assim saberá que palavras ditas no calor do momento podem ferir, mas nem sempre são sinceras.
     Eu disse que te odiaria se casasse, querido, mas foi tudo uma grande mentira. E também foi egoísta. Eu devia estar ao seu lado, ser sua madrinha, sorrir de felicidade porque você estava sorrindo. Simplesmente fiz tudo errado conosco, com o que éramos... E olhe o que me tornei: uma pessoa que escreve cartas para outra que nem as responde!
     Pensando bem, continuo sendo a mesma boba que fui, só que com um pouco menos de dignidade. É sua última chance de aceitar minhas desculpas, Miguel, é a última carta que lhe escrevo. Se for ignorada, vou entender como um adeus. Só não finja que não quer dizer olá.

Tenho saudades e odeio admiti-lo. Beijos e cuide-se.
                                                                    Alice. 

Texto feito para o Projeto Bloínquês, 32ª Edição Cartas



Nota: 9.9.
Comentário do avaliador:  "A ganhadora se destacou pela criatividade com a qual usou o tema proposto. Fica a dica! Surpreender é a melhor forma de vencer." (Vinícius Ferrari)