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29 de jul. de 2012

Não importa

     Digo no espelho: menina, não importa, deixa pra lá. Até pra sofrer tu precisa de tempo; pra chorar, pra pensar, pra lamentar. Esse tempo tu não tem. 
     O mundo tá cheio de dor e quase ninguém sente, quase ninguém vê. Tu precisa olhar pros outros, menina, ouvir os gritos de desespero, perceber o sofrimento de quem não tem um segundo de paz. Tu precisa perceber que há quem sofra o tempo todo. Nada importa, nem quem sofre, nem quem faz sofrer; nem a vida importa. 
     Perante todo o resto, tu é nada, menina. Nada importa, nem tu, nem o que tu sente, nem se tu tá perdida, nem se tu não sabe te encontrar. Essa dor aí dentro vai passar, e mesmo que não passe, quem realmente vai querer saber? Guarda pra ti, menina, que esse mundo já tem dor suficiente.
     Se tudo virar de cabeça pra baixo, tu aprende a ignorar a gravidade; se tudo virar do avesso, tu aprende a viver ao contrário. Tu sempre aprende, menina, não importa o que aconteça.
     Tu vai viver como conseguir, sem esperar demais de ti mesma e sem esperar qualquer coisa dos outros; tu vai viver sabendo que isso não importa, que nada disso importa, e que quando acabar, será como se nunca tivesse sido. Tu vai aproveitar cada cicatriz pra escrever em ti mesma as tuas verdades; a primeira delas é que não há amor que não possa ser destruído, e que isso também não importa.
     Até pros teus olhos soltarem essas lágrimas, menina, tu precisaria ter forças pra sentir alguma coisa, mas cá entre nós, tu já não quer mais sentir, tu já não consegue mais sentir, tu já está farta de buscar soluções. Cá entre nós, tu já se importou o suficiente e ninguém se importou com isso. Já era hora de cansar.
     Sentir não é tão fácil como dizem, menina. Tu precisaria ser mais forte pra continuar sentindo, e acredita em mim, tu não é. Agora tu desistiu de acreditar e talvez seja melhor assim; o que é dor hoje, dali a pouco já não importará mais, como todo o resto. 
     Seja o que for, não importa. Pode fingir que importa, não tem problema, mas não importa. E é importante que tu continue agindo como se tudo importasse, mesmo que não importe. Nem o amor se livrou dessa, menina. Nem o amor é importante, e mesmo assim as pessoas amam e se importam em amar.
     Só não fica te enganando, menina: o que tu chama de amor já não existe mais.

Sadness by *G-Moel (www.deviantart.com)

27 de abr. de 2012

As melhores pessoas do mundo são

Não venha a mim se tudo o que tem a oferecer é esse tédio que perambula seus atos e essa monotonia que brilha em seus olhos. Não espere que eu me agrade com toda essa facilidade e com a falta de perigo que é estar contigo. Se afasta, se não pode ser mais do que qualquer um; vai embora se não pode me fazer sofrer. 

Sempre esperei muito, esperei mistério, preparei, na minha cabeça, de quais formas eu ia lutar por algo que eu queria, e agora tudo o que me oferecem é simples demais pra que me impressione. Se não fico impressionada, não há valor. E se não há valor, vão e já não voltem; prefiro perder meu tempo comigo mesma, que ainda me surpreendo, do que com pessoas todas iguais, que deixam de ser elas mesmas por medo de não conseguirem ser o que os outros são.

Se eu quero realidade, tenho a vida, e já me basta. Mas eu quero sonhar, e sonhar grande, voar alto; se seus pés são cravados no chão, corra para longe; não há o que fazer aqui se se contenta com tão pouco. Pessoas normais estão por todos os lados e já não sei se encontrarei qualquer um cansado desse mundo onde tudo é sempre tão igual. Sinto falta da loucura e do inesperado; é pedir demais que parem de ser tão previsíveis? Se não pode me surpreender, saia, finja que não me vê; prefiro te olhar e me sentir indiferente do que te olhar com o desdém de saber que é superficial. Sorria e volte pra casa; não é nenhuma surpresa que, mais uma vez, não haja alguém que me surpreenda. 




Será que eu sou louco?
Suponho que sim, mas vou lhe contar um segredo: as melhores pessoas do mundo são.
(Alice in Wonderland)
www.deviantart.com

2 de mar. de 2012

~

Achei que fôssemos invencíveis, mas as histórias de criança acabaram faz um tempo. Demorou pra eu perceber que estava perdendo o poder de acreditar nas pessoas. Eu sempre quis fazer a pose de menina forte, queria ser aquela que não ia chorar por ninguém. Inexplicavelmente, não sei se me tornei essa pessoa por tanto querer ou se na verdade sempre fui assim: a guria que chora ouvindo uma música, assistindo um filme, olhando alguma fotografia, lendo uma poesia ou qualquer outra coisa, mas que não consegue chorar por si mesma.

Quando eu olho pra trás, agora, vejo que eu realmente acreditei que não houvesse nada no mundo que pudesse nos separar. Que, de algum modo, estaríamos sempre juntos, olhando um pelo outro, cuidando um do outro. Que se um dia um de nós fosse, logo voltaria. Agora eu rio disso, rio porque é irônico, porque, com o tempo, eu mesma me anestesiei, esperando pelo momento onde diríamos adeus. Porque quando se diz adeus, as pessoas não voltam. Nos perdemos de forma boba, em vão. Perdemos quem nem mesmo foi embora. E agora eu te substituí, tu me substituiu, e nós nem mesmo sentimos saudades. E essa história de permanecermos iguais, mesmo quando o tempo passa, é uma mentirinha boa que inventaram pros corações não se partirem antes do tempo. Porque não somos invencíveis, nunca fomos. O tempo sempre vence, no fim das contas. É natural nos deixarmos ir, mesmo que seja uma pena. O sorriso que dirijo a ti é aquele de até logo, que vai virando um tchau e logo mais um adeus; te envio o sorriso de quem não vai chorar por te perder.

Plans of what our futures hold
Foolish lies of growing old
It seems we're so invincible
But the truth is so cold
(Avenged Sevenfold - So far away)

17 de fev. de 2012

É hora de dizer adeus às inconstâncias

Todos os talvez, todos os quem sabe?, todas as metades. Adeus. É hora de dizer adeus a ti, e a tudo que te representa. Não vai ser nenhum até logo, não existe um futuro onde possamos nos encontrar novamente. Não quero mais esse pesadelo ou a angústia de não saber, nunca, onde as coisas começaram a ruir. Aliás, gostaria de saber se algum maldito dia elas foram construídas, porque não me lembro de colocar um único tijolo, a não ser nos muros que me cercam. Vai ver por isso está tudo torto, tudo fora do lugar: tu não conseguiu construir sozinho, ninguém consegue. Esse abismo é só uma consequência; eu escolhi não pular, não me arriscar, porque não sei o que vou encontrar lá no fundo, porque não sei se quero encontrar qualquer coisa tão distante de mim.

Distante de mim, sim, porque eu sempre quis certezas, sempre quis olhar pra mim mesma no espelho e dizer olá guria, vamos arriscar tudo hoje?, e contigo não tenho certeza de nada, nunca tive. Tudo que eu digo, você sempre diz mais, e é como se fosse um jogo de crianças bobas brincando de quem vai magoar mais o outro. A diferença é que eu não me magoo facilmente, e é por isso que não jogo com ninguém. Porque eu acabo, sempre, sendo a menina má que destrói os sentimentos de alguém que se importava demais. Não quero mais essas reticências na minha vida, e se, pra isso, eu preciso colocar um ponto final nessa história, eu coloco. E um só é mais que suficiente pra finalizar tudo o que começamos. Porque se eu colocasse mais dois, sucessivamente, continuaríamos sem dizer adeus, e eu preciso me despedir. Já é hora de deixar as dúvidas de lado e agir como adulta: te deixo ir, quero ir também.

Eu não posso te dar o que tu acha que me deu, então sem até qualquer dia, sem quem sabe um dia nos encontremos por aí. Sendo adeus, é adeus, mesmo, é nunca mais. Não vou deixá-lo perto o bastante pra me machucar, nem quero ficar perto pra continuar te ferindo. Sem mais palavras, é isso; sempre foi só isso. E as inconstâncias acabam por aqui; nós acabamos por aqui. 

www.deviantart.com
Baseado na música Turning Tables, Adele.

9 de fev. de 2012

Eu quis precisar de alguém

E isso é tudo. Não resta mais nada a dizer. Querer precisar não significa que, qualquer dia, realmente precisei de você. E hoje já não quero precisar. Isso é simples, não deveria doer, então desculpe-me se dói. Mas não sinto nada, e se não sinto, como posso pensar que isso vale a pena? Isso, tudo isso pelo que passamos, todas as perguntas sem respostas, todos esses "talvez", que ficam martelando em nossos ouvidos enquanto não sabemos como agir... Nada disso vale o transtorno. Sinto-me incomodada, nada mais que isso. Deveria me sentir abatida? Ou triste? Ou com medo de errar e me arrepender? Desculpe, não me sinto assim; só sinto que a coisa certa a fazer é não querer precisar de você, nem de ninguém. O problema sou eu e essa minha mania chata de querer sempre mais do que posso ter. Sempre me engano, dizendo a mim mesma que me importo com as pessoas, que me importo com você... Mas a verdade é que só me importo comigo, e tenho estado perdida de mim ultimamente, tentando tanto não perder ninguém. 

Decidi que quero, com prazer, perdê-lo. E me encontrar de volta, sabe, precisar de mim. Eu quis precisar de alguém e sinceramente sou a pessoa mais importante, devo me bastar, devo precisar só de mim. Quis que as coisas não fugissem do controle, quis mais do que posso explicar que tudo desse certo. Mas querer nunca é o suficiente. Arrisco-me a dizer até que, quando queremos tanto como eu quis, é que as coisas acontecem exatamente do jeito oposto ao desejado. Eu quis desenvolver qualquer sentimento por você, quis enxergar nas poesias o seu rosto, ouvir sua voz em cada música... Então acho que posso ser perdoada?!

Sei que descobrirá mil maneiras de deixar isso pra lá, afinal você não precisa de mim também, tenho certeza. E você vai conseguir, sabe, olhar para mim sem me odiar por ser tão fria. Não somos certos um para o outro, está tudo tão confuso... E drama demais faz mal. Não preciso de você. E viver nossa história só valeria a pena se eu precisasse. Então até logo, seja feliz, vá em frente, desista de mim. Nunca houve nada pelo que sofrer. Nunca há nada pelo que sofrer.

23 de jan. de 2012

Os compromissos acabaram com a minha necessidade de inventar histórias lindas pra eu fingir que eram minhas

Já tem tempo que não tenho ilusões sobre meu futuro ou sobre quem eu sou. Já tem tempo que olho pro passado não com o pesar de saber que passou e não volta, mas com uma melancolia quase alegre de ter vivido e ser a única a entender o que isso significa. Faz tempo que não sonho com finais felizes.

Mas eu costumava criar histórias perfeitas para uma menina perfeita. Esquecia, às vezes, que sou a imperfeição ambulante, que as coisas nunca são como queremos, e formulava diálogos intermináveis, expressões inesquecíveis e fantasiava sobre como seria amar de verdade. Criei as frases que fariam eu me apaixonar por alguém; ninguém nunca as disse.

Não tem muito tempo desde que decidi parar de planejar tanto. Menos tempo ainda faz que percebi que quando planejo e não dá certo, dói mais do que se não quisesse nada. Eu sempre quis demais, sempre esperei demais de mim e dos outros; todos me decepcionaram, até que eu decidi esperar sempre o pior. E, por menos que eu acredite, ainda existem pessoas que são capazes de me surpreender; isso é o que torna alguém admirável pra mim. Quando eu sorrio por educação, e a pessoa me mostra que merece meu sorriso mais sincero. 

Faz tempo que não faço força pra sorrir, nem força para não chorar. Tenho deixado de lado os muros que contruí em volta das minhas histórias impossíveis e passei, bem consciente, a aceitar as dores de viver intensamente. Não me iludo com amores infinitos e indestrutíveis; não me contento com menos que isso. Espero que entendam, espero que eu mesma me entenda.

Mas já disse, não faço questão de saber quem sou, ainda mais se isso quiser dizer que vou parar de surpreender a mim mesma. Sempre quis admirar a pessoa que escolhi ser e se não houver mais surpresas, só haverá decepções. Quando eu conheci a vida de verdade, quando entendi a responsabilidade de me tornar uma pessoa admirável para mim mesma, parei de inventar minha história e passei a vivê-la. Sem esperar o que criei ou deixei de criar, sem esperar absolutamente nada.

Não espero nada de mim e rogo para que também não esperem: assim talvez eu não destrua as ilusões de ninguém como destruíram as minhas.

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14 de jan. de 2012

Brisa

No fim, todos eles tinham razão e eu estava errada. No fim, vale a pena.

Antes de correr para a sorte, eu hesitei. E hesito, ainda. Eu sempre hesitarei. A sorte é tão relativa, tão inesperadamente surpreendente e tão loucamente desejada. Como a louca que sou, mantenho meus pés no chão, firmes, com medo de abrir os braços e me deixar levar pela brisa calma de quando não se tem medo. Essa brisa, em mim, vira ventania, sou engolida pelo furacão, soterrada por quilos e quilos de dúvidas e a tempestade torna tudo à minha frente invisível. Eu gostaria de ser invisível. O que é invisível não precisa se importar com os olhares maldosos de quem acha que sabe tudo, de quem finge ser perfeito, de quem ama pelas beiradas. Se é para se jogar, então eu me jogo. Eu estava errada sobre não dever se jogar nunca; fui jogada pela calmaria, senti a brisa no meu rosto e, logo depois, areia nos meus olhos. E a chuva, ah, a chuva, que sempre chega para levar tudo embora. Mesmo perdendo tudo, ou nunca tendo nada, valeu a pena. Voar, por alguns segundos, antes de fincar os pés no chão novamente e aceitar que a vida não é uma ilusão, que eu não posso voar e que os momentos de felicidade duram menos do que o tempo que levamos pra nos recuperar.

Incrivelmente, valeu.

A chuva cai, agora. Tudo já se foi, todos já se foram. Não sei se foi o furacão que me jogou contra a realidade ou se foi a terra que me cegou para sempre. Não sei se me joguei e a queda foi muito dura, ou se sonhei que voei e acordei atordoada, querendo que fosse real. Mas senti essa brisa e foi calmo como se não houvesse medo. Dói um pouco, mas é fácil sorrir depois de saber que o medo não é uma constante. Fui invisível durante um tempo e foi suficiente para entender que as vantagens de ser invisível são menores do que as desvantagens; longe dos olhares maldosos, longe dos corações. E meu coração é o motivo de eu estar aqui, em busca de qualquer situação que o faça bater aceleradamente, sem medo, na ventania simples de existir só brisa. Sorrio para mim mesma com a certeza de que voar é a minha melhor loucura. 

Mas no fim todos eles estavam errados e eu estava certa. No fim, um sorriso pode curar toda a dor.

28 de dez. de 2011

Por que não?


Sabe, às vezes penso em como as coisas podem ser. Por que não? Por que não podemos ficar juntos, diminuir os problemas, acabar com esse aperto, sorrir simplesmente? Então eu lembro das palavras que você usa pra me definir, de como você vive se importando com os meus problemas ou de como eu me sinto linda quando você fala de mim. Por que, meu deus, por que não? Por que não podemos nos encontrar, esquecer o passado, viver a vida real, como ela é? Daí eu me recordo, no entanto, que alguém como eu, que conhece alguém como você, sabe que alguém como você não diz palavras bonitas para uma só pessoa. Alguém como eu não pode ser enganado assim, tão facilmente. Por que não podemos ficar juntos? Porque eu te conheço. E, te conhecendo, nem quero que fiquemos juntos, mesmo. Nem quero que dê certo, nem quero ficar cega, ignorar os problemas ou esse maldito aperto. Não quero sorrir ingenuamente para você enquanto poderia sorrir para mim mesma, sincera, mesmo magoada, sem trair meus ideais. Não podemos nos encontrar, mesmo que estejamos lado a lado, porque você nunca vai saber quem sou eu de verdade. Não precisamos esquecer o passado porque o passado nunca importou, mas o presente importa, e o presente é de mau gosto. Na vida real, pessoas como você não merecem pessoas como eu. Na vida real, pessoas como eu não acreditam em pessoas como você. Na vida real, somos opostos. E continuaremos sendo opostos sempre, porque eu tenho aquela ânsia de poder confiar nas pessoas que me cercam, e você tem aquela mania irritante de me decepcionar. Por que não? Você sabe... porque não. Simplesmente não, inevitavelmente não.


Foto por ^DemonMathiel em deviantart.com

25 de dez. de 2011

Sinto muito

Sinto muito por sentir de menos ou demonstrar de menos. Sinto pelas crianças que morrem todos os dias, por esse mundo imperfeito, pelas maldades e atrocidades cometidas por nós. Sinto muito pelos sorrisos que não dei, pelas palavras que feriram e pelas vezes que fingi não me importar. Desculpe-me pelas vezes que não soube retribuir o carinho que recebia, se meu olhar não foi suficientemente terno, se as palavras que eu disse mais cortaram do que ajudaram a cicatrizar. Sinto muito por não saber escolher as melhores frases nos melhores momentos, e sinto tanto por não poder acabar com todas as dores do mundo! Sinto muito pelas pessoas que se foram e pelas que ainda irão; sinto por mim, sinto por ser assim e, ainda mais, sinto por não querer deixar de ser imperfeita. Desculpe-me pela sinceridade, pela incapacidade de fingir ou por não notar que fui rude, insensível. E, acima de qualquer coisa, sinto muito por não ser quem você gostaria que eu fosse, sinto muito por não ser uma alegoria às princesas, insuportavelmente perfeitas. Sou essa alegoria às avessas, completamente perdida em minhas desculpas. Mas não sinto muito por isso. Só sinto muito, e muito mesmo, por estarmos longe de não sentir nada.

16 de ago. de 2011

E eu preciso de você, mas e depois?

E eu te deixo, mas e depois?

Talvez devesse sorrir, ainda que ferida; talvez devesse chorar, só para variar, ou desabar nos braços de quem pudesse lhe segurar. Mas não havia nada que devesse fazer que realmente conseguisse. Não tinha vontade de fazer nada. Com os olhos fechados conseguia sonhar que nada daquilo era real, que não passava de um sonho macabro, que sua mente era terrivelmente incontrolável. Queria que suas ilusões engolissem o tempo, acabassem com as dúvidas, fechassem as feridas. Mas seus olhos estarem fechados não mudava o fato de que seu coração nunca estivera tão estraçalhado. Desde menina tivera sonhos simples, lembranças de um conto de fadas que nunca vivera. Apesar de cuidadosa, sonhava alto; apesar de parecer fria, sua sensibilidade ultrapassava os limites saudáveis; apesar do pessimismo aparente, esperava que tudo desse certo. Seu erro era fingir ser sua própria fortaleza. E então, quando deu por si, estava apaixonada.

Não pelo príncipe encantado nem pelo homem certo. Não pelo garoto dos seus sonhos nem por alguém que merecia esse amor. Alguém que estava ao seu lado, alguém que tinha mil defeitos; ela conhecia todos. Isso era ainda mais triste. Conhecendo-o tão bem, conhecia as impossibilidades. E as brincadeiras a feriam devastadoramente; quase acreditava e o tombo era sempre grande demais.

"O que, eu minto tão mal?" - ele sorria ao perguntar.
Percebi a mentira através do seu olhar - queria dizer e, no fim, nada dizia.

Já não podia mais fingir, ou podia? Conseguiria olhá-lo todos os dias nos olhos como se não sentisse nada? Como se seu coração não saltasse de medo, dor e paixão? Tudo bem, seguiria, um dia tudo isso passaria. Mas e então? Até quando teria que lidar com aquele vão no peito? Até onde seria capaz de ir com aquele grito preso na garganta, com as silenciosas declarações de amor?

Nem todos aguentam mentiras e eu ignoro isso, mas e depois?

Fugir não a levaria a lugar nenhum porque não tinha para onde fugir. Aquele sentimento não devia existir, aquela vontade de ser a única para ele não devia existir, aquele brilho no olhar não devia existir. E, no entanto, como se fosse de propósito, existiam. Ninguém acreditava neles, ninguém imaginava. O assustador era a certeza de amá-lo e não poder amar. Procuraria outros amores, talvez, ou outras maneiras de esquecê-lo. Lutar contra o mundo todo, no entanto, seria um milhão de vezes mais fácil do que lutar contra si mesma.

Talvez depois eu vá embora para sempre.

Música: Brush it off - Plan Three.
Conto para Projeto Blóinquês.

7 de ago. de 2011

:

‎"É como se a vida dissesse o seguinte:
e simplesmente não houvesse o seguinte.
Só os dois pontos à espera."
Clarice Lispector


Preencher o sentido dos dois pontos parece ser o motivo pelo qual vivemos. Quero que a vida me diga alguma coisa, quero que haja um sentido certo para acordar todos os dias. E eu digo tantas coisas à vida; crio um monólogo. Ela nunca responde. Cada dia que passa, em cada momento vivido, procuro palavras nas circunstâncias, nas coincidências, nas minhas próprias vontades, nas supostas verdades. Mesmo que sejam perguntas, ainda assim a vida parece querer dizer algo que nunca diz. Ela nunca dirá? Porque às vezes canso de tentar decifrar esses códigos bobos que não significam nada.

E quando tudo o que sinto é que falta algo, volto a procurar. Procuro, procuro até cansar, e de novo, e de novo. Nunca encontrei nada, nunca soube se a sensação que tenho é real ou se não passa da minha vontade imensa de entender o mundo. E parece que perco quando não entendo o que a vida quer me dizer. Ouço ela gritando e nada. E ainda assim ela segue frisando, aos berros, aqueles dois pontos que eu preciso entender; deve ser só para me provar a importância das minhas perguntas.

Pensando bem, poderiam ser pontos de exclamação, reticências, pontos de interrogação, vírgulas e até mesmo pontos finais. Mas são esses dois pontos que me matam: eles ilustram a possibilidade de ser qualquer coisa.

  

26 de jul. de 2011

Palavras

Acordara e já não sabia que dia era, ou de que mês. O sol brilhava no topo do céu. Esticou-se e olhou ao redor. O quarto, revirado. Não tanto quanto seu cérebro. Roupas rasgadas pelo chão, cacos de vidro, duas garrafas de whisky vazias e, por tudo que era mais sagrado, sua cabeça ia explodir.

Lentamente lembrou-se de fragmentos da noite anterior. Chegara de uma viagem de negócios e encontrara seu noivo com uma mulher no apartamento. Sim, era isso. Seu coração doeu quando recordou a cena. Devagar percebeu que havia sangue na cama. Seu braço estava cortado e sua testa também. Nada demais. Nada que não curasse mais cedo ou mais tarde. Nada comparado ao estrago por dentro.

Riu irônica. Lembrou-se do "não é nada disso que você está pensando, eu posso explicar tudo...". Riu ainda mais quando percebeu que aqueles cacos de vidro eram resquícios da briga dos dois. E ela atirara nele tudo o que estava em sua frente: vasos, porta-retratos, copos... E então desabou, gritando de horror. Prestes a se casar e totalmente perdida. Prestes a formar uma família com um homem capaz de humilhá-la daquela forma. Fora enganada. Mas, acima de tudo, conformou-se com o pouco que ele dava! E sabia, no fundo, que merecia mais, muito mais! Então por que diabos estava passando por aquilo tudo? Era sua culpa, tudo sua culpa. Devia ter percebido as mentiras, as desculpas, era tão óbvio. E ele, assustado, enquanto a via desabar, correu como se não houvesse consequências. E as consequências estavam todas ali.

Tanto tempo perdido, murmurou a si mesma e a cabeça latejou. Lembrava de ter recortado cada uma das roupas dele enquanto bebia todo o estoque de whisky. E lembrava de ter ligado para sua mãe, no meio da noite, e ter desligado quando ela atendeu. Não queria que soubessem de sua desgraça interior, de seu fracasso latente. Mas saberiam, de qualquer forma. Tinha que ficar bem logo, levantar a cabeça de uma vez por todas e sorrir como se tudo fosse natural, como se não doesse.

O telefone tocou. Era ele, viu no visor. O desgraçado que a enganara durante anos. O homem que sempre dizia as palavras certas. O homem que a conquistara com seu estilo arrogante e superior. Mas não adiantava saber tudo o que as mulheres querem ouvir quando não agia com honra, com amor. E palavras não são o suficiente, apesar de serem necessárias. Suspirou, puxou o telefone para seu ouvido e atendeu.

"Eu posso explicar", de novo. E outra vez ela riu. 
"As palavras perfeitas nunca passaram pela minha mente. Até hoje", murmurou ela dolorida, mas firme. "Talvez um adeus bastasse, mas vá se foder está muito mais na moda".
"Se você me escutasse..."

Cansara de escutá-lo. Acusações e desculpas não mudariam nada. Ele havia jogado fora anos em segundos. E nada a faria voltar atrás. Nem as mais lindas palavras do mundo apagariam as imagens em sua mente. 

"Palavras até me conquistam temporariamente,
mas atitudes me ganham ou me perdem para sempre."
Clarice Lispector

Foto por *ArmyBrat1521 em www.deviantart.com





19 de jul. de 2011

Tarde demais

De Débora Vargas
Para Arthur Siciliano

21/06/1999

Para você é tão fácil esquecer. É tão fácil perdoar. Não posso entendê-lo. Juro, juro, é tudo tão confuso. É como se, quando nos falássemos, todas as minhas certezas se fossem. Você traz perguntas à minha mente que não sou capaz de responder. E quando você demora para responder essas cartas meu coração se aperta de saudade, de ciúme. Dói muito, sabia? Quando você consegue viver sem mim, dói. E eu sei que consigo viver sem você, mas não queria. Porque somos perfeitos juntos, porque você é perfeito para mim. Ou era. 

Arthur, você é um bobo! Foi embora por escolha própria atrás de um sonho impossível e o está alcançando! Mas você está me perdendo, também. Isso não é ruim? É ruim para mim. Porque eu espero um, às vezes dois meses para receber uma carta sua dizendo que sente saudades. Se sentisse realmente por mim a saudade que sinto por ti, não conseguiria ficar sem escrever por tanto tempo.

E eu sei, não sou boba, sei que conquistou outras meninas com a sua inteligência e com o seu jeito. Com seus olhos. Que já foram meus, mas que já não são. Quando você foi, por que não pediu aquilo que qualquer homem apaixonado pediria? Por que você não disse para mim, assim, com aquele seu jeitinho aloprado e certo de tudo: "Vamos fugir?" Faltou o quê? Faltou eu dizer que te amava? Mas você sabia, eu sou louca por tudo o que você faz, aceito todas as suas loucuras, me agarro às mais bobas certezas só para ter você ao meu lado! Era absolutamente claro que te amava! E, mesmo assim, preferiu ir sem mim. Em busca do sonho que eu sempre disse para você sonhar. Em busca de algo que eu obviamente te ajudaria a conquistar. E agora estou aqui, enlouquecendo de saudades e de dúvidas e dizendo esse monte de coisas que eu nunca me julguei capaz. Estou me humilhando.

E, sabe, agora é tarde. Eu fugiria com você sem pestanejar. No passado. Agora não há qualquer mínima chance de eu desistir de tudo por alguém que nunca desistiu de nada por mim. Não vamos mais fugir, nunca mais. E, por mais que doa, meu coração não será mais esmagado pela sua indiferença. Não mande mais cartas.

Eu estou fugindo, sim. Mas é de você. E de todas essas feridas que você sempre abre com a inquietante frieza de suas palavras, mesmo que inconsciente. Não significo mais muito para você. E estar sozinha pode ser triste, mas é mais triste ainda amar e não ser amada o suficiente. Não aceito mais metades. Quero tudo que é meu. Se você não é, fujo. E vou atrás da felicidade.

Com carinho,
Débora.

Foto por  `gilad em www.deviantart.com

12 de jul. de 2011

De volta

Olhava as estrelas pela janela. Somente uma ou duas brilhavam naquela noite. E a lua não estava lá.

Seu coração estava partido. Sabia que, cedo ou tarde, tudo voltava para o lugar. Mas, até lá, doeria. E podia estar doendo mais que qualquer coisa no mundo, mas nunca se humilharia por ele. Era verdade, não lhe merecia. E esteve ao lado dele todo aquele tempo! Que boba. Tão inteligente para umas coisas e a mais ingênua das criaturas quando o assunto era ele. E ainda bem que doía tanto ter seu orgulho ferido, ter seu amor jogado fora, pois assim não se esqueceria.


Don't you know I'm not your ghost anymore?
You lost the love I loved the most.

E as pessoas diziam para ela que amar é bom. Deve mesmo ser, riu ironicamente. Quando é recíproco. Quando se ama alguém decente, alguém de verdade. Não uma imagem, uma personagem.

Mas o pior, o pior de tudo era saber que ele tinha dito que a amava. Mas, é claro, como era de se esperar, dizia isso para todas as outras. E zombava de cada coração que esmagava com sua arrogância. A prepotência dela a levara onde estava. Merecia estar ferida por achar que seria a pessoa que mudaria a vida dele. Ninguém muda a vida de ninguém se a pessoa não quer mudar. Isso aprendera duramente. Mas tudo bem, disse-se, vai passar, vai passar.

Sofrer por amor é melhor que não sentir nada. Sofrer por ódio talvez também seja. Só que o preço que se paga às vezes é alto demais. Dessa vez custara sua confiança nas pessoas, nas palavras, nos sentimentos. Porque ela estava cega por querê-lo e querer querê-lo. E não viu que ele a tinha nas mãos. E aquelas mãos não mereciam segurar seu coração. Ninguém a teria em mãos novamente. Não sofreria assim por mais ninguém. Porque não importa o quanto se ame alguém, nunca se deve amá-lo mais do que a si mesma. Ninguém estaria a sua frente, nunca mais! 

E a lua, pobre lua, tendo sua luz ofuscada pelas nuvens densas que cobriam o céu. As estrelas pouco brilhavam naquela noite. O que mais chamava atenção era a vergonha, que estava praticamente escrita em sua testa. E a dor que escorria como lágrimas de raiva. Raiva de si mesma por não saber que ele era como era. Raiva de ter sido enganada e raiva de seu coração ter escolhido, mais uma vez, amar alguém errado. Alguém que não quer ser amado. Alguém que não sabe o que significa verdadeiramente gostar de alguém.


You're gonna catch a cold
From the ice inside your soul.
So don't come back for me!
Who do you think you are?

Com um suspiro, aceitou o preço. Pagou. E decidiu que, a partir daquele momento, quem receberia era ela. Cada centavo de volta. Cada lágrima de volta. Cada pedaço do seu coração. De volta.


Música: Jar of hearts - Christina Perri.

20 de jun. de 2011

Margaridas no jardim

Abriu aqueles armários empoeirados. Olhou aquelas prateleiras com fotografias antigas, livros, relíquias de família. Nada era desconhecido. E, olhando para a parede central, via a si mesma, no jardim daquela casa, sorrindo  abertamente com um coelhinho branco nos braços. O mesmo sorriso que deu ao se lembrar dos dias quentes de verão, da brisa na sacada, das árvores frutíferas, das primaveras cheias de margaridas, dos pássaros cantando pela manhã.

A cama ainda estava feita, coberta com colchas feitas à mão e travesseiros de pena de ganso. A cortina, fechada. E pelo cheiro do quarto sabia-se que aquela janela já não era aberta fazia tempo. Podia ouvir os ratos caminhando no forro da casa onde crescera e vivera momentos lindos. Momentos que já não seriam vividos naquele lugar. Um lugar que, agora, era de ninguém.

Seu pai, quando ainda era uma garotinha, morrera. E, fazia dois anos, sua mãe também. Desde então aquela casa estava abandonada. Sentia-se forte o suficiente para ir até lá agora, depois de tantos anos. Fora difícil tomar aquela decisão porque sabia que não seria nada fácil. E tinha razão. Em seu coração havia um enorme buraco negro. Até as lágrimas ele sugava. Era a coisa mais triste do mundo olhar para aquele lugar e não enxergar a vida que lhe era peculiar em infância. Tudo se perdera. Tudo estava perdido. E ela estava lá, tão só e tão ferida que nem tinha forças para ir embora.

Não sabia quando isso acontecera. Tampouco queria saber. Queria que as boas memórias fossem mais fortes que o fato de nada mais ser lindo naquele lugar. E a menina que crescera lá com brilho nos olhos já não via mais brilho naquela casa sem vida. Abriu os armários, tocou as roupas de seus pais com pesar e com saudade. Cheirou algumas delas, tentando procurar algum resquício de seus cheiros. Não lembrava mais de seus cheiros. E, sentindo-se boba, chorou, finalmente. Queria tanto lembrar, como é que podia esquecer algo assim? Desolada, mirou o jardim de grama alta, inços e árvores mortas. 

Tudo estava morto. Todos estavam mortos. E ela, viva, desesperada, perdida naquela ilha de esquecimento. De repente tudo ficou escuro. Não tão de repente, mas de repente demais para ela. Era noite e havia passado horas em nostalgia sem ao menos se dar conta. Eram muitas histórias. Histórias que jamais seriam  contadas.

Saindo daquela casa para nunca mais voltar, olhou mais uma vez para o jardim esquecido. E, como se fosse uma viagem ao seu passado, avistou margaridas balançando no pé de uma figueira antiga, na qual subia quando menina. Sentiu como se as margaridas sorrissem para ela. Estavam vivas. Ainda havia vida perdida naquele passado presente. Ela não era, e ainda bem que não, o único vestígio daqueles momentos.

As flores acenavam, numa noite de primavera, e pediam para que voltasse.




14 de jun. de 2011

Mentiras

A verdade não pode ser dita. Não deve ser dita. Porque destruiria tudo. E o mundo não deve desabar por completo. Tudo bem, sei da verdade. E isso, nem de longe, quer dizer que eu deva aceitá-la ou me dar por vencida. As verdades mudam o tempo todo. Muitas mentiras já foram reais e muitas realidades já não passaram de mentiras. Porque o mundo dá voltas e o tempo cura tudo. Ou devia curar. Eu espero que cure. 

Não gostaria que esse sentimento existisse. Um sentimento que será uma bomba. Que vai explodir, um dia. Ou será que, antes disso, vou conseguir apagar o fogo? Já não importa o que eu faça, não está mais sendo uma escolha. E tudo o que eu acreditei não passa de hipóteses refutadas. Eu mesma as refutei porque sou incapaz de mentir pra mim. Mas não incapaz de mentir pros outros. Eu até gosto, sabe, de ter o controle das minhas emoções. Mas sempre chega um ponto em que perco o controle. E esse ponto está sempre perto, perto demais para me deixar esquecê-lo.

Eu quero esquecer. Aliás, isso é tudo o que tenho querido desde algum tempo. E, pela primeira vez, entendi o sentido de querer não é poder. Odeio essa fraqueza, essas dúvidas, essa tristeza contente, esse medo latente, essa esperança vã. Mas odeio, acima de tudo, amar desse jeito bobo todos os detalhes. 

E sim, escondo o amor. Porque esse amor é horrível. Esse amor é destrutivo. Esse amor é louco demais pra ser real. E as consequências dele fazem todo o resto nem valer a pena. Uma vez li que o sofrimento é opcional. Eu acreditei. Mentiram pra mim. Mas igual, minto o tempo todo. E ninguém realmente se importa.

Foto por ~Kashimana em www.deviantart.com

29 de mai. de 2011

Nunca quis

Nunca quis ser a sombra de alguém. Nunca quis dever, ser enganada, errar. Não quis misturar as coisas, não quis dividi-las. De jeito nenhum quis ser fria, realista demais, prática. Fico feliz de ter descoberto algumas verdades, mas nunca quis que elas existissem. Não quis saber, de todo o modo, mais do que deveria. Não quis ter certeza de coisas assustadoramente reais.

Não quero esperar a morte, não quero afastar pessoas, não quero ser engraçada demais ou séria demais, também. Nunca tive a intenção de quebrar corações nem de ser machucada. E seria hipocrisia dizer que nunca quis vingança, porque eu quis, eu quero. Eu não quero dúvida, de qualquer modo. Não quero esse sentimento de aperto no peito, tudo isso que acontece quando a gente não sabe como sair de uma situação incômoda. Nunca quis essa pressa, o tempo passando sem eu sequer perceber, as pessoas vindo, indo e voltando como se fosse simples assim, como se não devessem nada a ninguém, como se não devessem nada pra mim. Eu quis dizer muitas coisas que não disse, mas queria poder nunca ter dito outras. Eu nunca quis não conseguir amar. Não queria ser tão fechada, talvez até vazia. Mas também nunca quis ser a boba que ama tanto alguém que esquece de se amar. Nunca quis me aproveitar das fraquezas de ninguém porque nunca quis sabê-las. 

Não quis brincar que os contos de fadas são reais. Não quis que fosse uma brincadeira. E, acima de qualquer outra coisa, eu nunca quis arrependimentos. Então, como prioridade máxima, não me arrependerei. Que seja bom e que acabe antes de se tornar ruim. Que acabe para poder começar tudo de novo.

Tenho medo de já ter perdido muito tempo. Tenho medo que seja cada vez mais difícil. Tenho medo de endurecer, de me fechar, de me encarapaçar dentro de uma solidão-escudo. 
Caio Fernando Abreu

22 de mai. de 2011

Perdemos

Summer turned to winter
And the snow had turned to rain
And the rain turned into tears upon your face


O tempo todo. Perdemos o medo, perdemos a coragem, perdemos o sono, perdemos tempo, perdemos a vontade, perdemos sentimentos, perdemos olhares, detalhes, perdemos chances, perdemos oportunidades e perdemos pessoas. Perdemos coisas que importam e coisas que já vão tarde, perdemos sorrisos e lágrimas, perdemos filmes, perdemos livros, perdemos a fala, perdemos o ritmo... Perder é uma constante, é uma regra da vida. Mas ganhamos tanto, ganhamos o tempo todo, também. Ganhamos sabedoria, ganhamos momentos únicos, ganhamos lembranças, ganhamos ânimo, felicidade. Ganhamos o dia, a noite, a semana inteira, o ano! Ganhamos algo, ganhamos de alguém, ganhamos tanto, tanto, e perdemos tudo isso. Porque a última coisa que perdemos é a vida. A vida é assim, ela dá coisas e as tira de nós porque somos suscetíveis, somos vulneráveis, somos seu brinquedo.

A vida brinca. Ganhamos a vida e esse é o melhor presente. Perdemos a vida e esta é a nossa maior lástima. Nosso maior medo, perder mais do que ganhar, perder antes de ganhar tudo o que se pode, não conseguir lutar mais pelo que queremos pelo simples fato de perdermos tudo. O chão, o show. Mas ganhamos, antes disso, é claro, muitas outras coisas que não morrem, que não perderemos tão cedo. Alguns perdem e outros ganham, mas às vezes só há perdas. Não há beleza na morte. A morte é triste, não há nada mais triste do que perder. E ninguém ganha essa guerra. Sempre perderemos.

Life can show no mercy
It can tear your soul apart
It can make you feel like you've gone crazy
But you're not

Mas ganhamos, não ganhamos? Quando perdemos algo, é porque esse algo era nosso, nos foi dado, nos foi concedido, nos foi oferecido. Então perder tem lá seu lado bom, no fim das contas... Porque tivemos. Tivemos e, tudo bem, perdemos, mas o que tivemos e uma vez foi nosso só se apagará de nossas memórias quando já não existirmos. E todas as coisas boas que "o que" ou "quem" perdemos nos trouxe quando nos pertenceu ameniza, levemente, a dor de termos perdido. As lembranças são o que nos leva para frente. E a vontade de ter mais lembranças faz com que vivamos, dia após dia, mesmo sabendo que vamos perder.

Se sentimos falta, se realmente perdemos, é porque foi lindo. E sempre será lindo. Estaremos sempre procurando a beleza que queremos ver, o sentimento que queremos sentir. Nunca desistiremos até que, inevitavelmente, nos percamos de nós.

Foto por ~Aegis13 em www.deviantart.com

Música: Lost - Michael Bublé

14 de mai. de 2011

~

As máscaras continuam lá. Como se ninguém nunca tivesse visto realmente seus rostos. Como se fossem incógnitas para todos, quando são, na verdade, livros abertos, livros ruins. Talvez as máscaras caiam um dia, talvez permaneçam lá até se tornarem faces.


Vivem numa mentira. Querem que seja verdade. São uma mentira. E quem é de mentira não se torna real.

27 de abr. de 2011

Presente de grego

LEIA A CARTA ANTES DE ABRIR O EMBRULHO.

“Pedro,
Isso que te envio, essa carta, esse embrulho, tudo isso é um presente de grego. Quero destruir os muros que nos separam, quero batalhar com você por você e, no fim, quero vencer. Eu sempre quero vencer, você sabe disso. Conhece esse meu defeito, esse fato bobo de eu simplesmente não aceitar “não” como resposta quando o que eu quero ouvir é um “sim”. Não sou doida, não, sei que sorri quando digo isso, mas sabe que é verdade... Eu sou certa, bem certa do que quero. E, que alguém me ajude, eu quero você. Demorei em admiti-lo, demorei a querer sentir isso que estou sentindo. Como disse Clarice Lispector, alguma vez, “Que medo alegre, o de te esperar”. Sinto um frio na barriga, um vazio no peito, mas quando me lembro do jeito que você sorri quando olha para mim... É como se todos os medos nunca tivessem existido. E, ah, me esqueci de avisá-lo, sou mesmo clichê. A boba, a romântica, porém cética. Aquela que acredita no amor, mas tem medo de amar. Você me encontrou. Isso é um fato. A grande pergunta é: você me quer? Você gostou de ter tropeçado em mim? Você sente seu coração acelerar quando me vê? Gosta do meu perfume? Lembra do meu rosto antes de dormir?

Eu tenho esse presente para te entregar, é claro. É um embrulho simples, como eu. E com simples quero dizer sem muito ornamento, sabe, sem uma beleza de encher os olhos, sem os detalhes que tiram o fôlego de todos. Mas quando você olha para esse embrulho, perde o ar? Está curioso, Pedro? Porque eu estaria. Como estava dizendo, não é nada muito chamativo. Mas o que tem dentro significa muito para mim. Quero que tente ver com meus olhos esse presente. Por favor, chacoalhe a caixa. Ouviu alguma coisa?

Abra o embrulho, Pedro. Você é muito inteligente, é sagaz, é esperto, é lindo. Já sabe o que te dou, não é? Ou melhor, o que te empresto, o que te entrego. Não é material, não tem cor, não tem cheiro. Tem sentido, e só, mas isso é muito! É o meu amor. Ele estava guardado em uma caixa que foi aberta por você. Agora lhe pertence. E você tem duas opções, Pedro: feche essa caixa, lacre-a e devolva-me sem nunca, nunca olhar para trás. Ou aceite meu amor e me ame de volta, mesmo sabendo que sou assim, imperfeita, completamente imperfeita. Quando você leu isso, seu coração ficou quente como o meu fica enquanto espero sua resposta? Se sim, parabéns, você está me amando. 
                                                                                                                             Beijos,
                                                                                                                                             Lia.”

Foto por ~ra3iatha em www.deviantart.com