Abriu aqueles armários empoeirados. Olhou aquelas prateleiras com fotografias antigas, livros, relíquias de família. Nada era desconhecido. E, olhando para a parede central, via a si mesma, no jardim daquela casa, sorrindo abertamente com um coelhinho branco nos braços. O mesmo sorriso que deu ao se lembrar dos dias quentes de verão, da brisa na sacada, das árvores frutíferas, das primaveras cheias de margaridas, dos pássaros cantando pela manhã.
A cama ainda estava feita, coberta com colchas feitas à mão e travesseiros de pena de ganso. A cortina, fechada. E pelo cheiro do quarto sabia-se que aquela janela já não era aberta fazia tempo. Podia ouvir os ratos caminhando no forro da casa onde crescera e vivera momentos lindos. Momentos que já não seriam vividos naquele lugar. Um lugar que, agora, era de ninguém.
Seu pai, quando ainda era uma garotinha, morrera. E, fazia dois anos, sua mãe também. Desde então aquela casa estava abandonada. Sentia-se forte o suficiente para ir até lá agora, depois de tantos anos. Fora difícil tomar aquela decisão porque sabia que não seria nada fácil. E tinha razão. Em seu coração havia um enorme buraco negro. Até as lágrimas ele sugava. Era a coisa mais triste do mundo olhar para aquele lugar e não enxergar a vida que lhe era peculiar em infância. Tudo se perdera. Tudo estava perdido. E ela estava lá, tão só e tão ferida que nem tinha forças para ir embora.
Não sabia quando isso acontecera. Tampouco queria saber. Queria que as boas memórias fossem mais fortes que o fato de nada mais ser lindo naquele lugar. E a menina que crescera lá com brilho nos olhos já não via mais brilho naquela casa sem vida. Abriu os armários, tocou as roupas de seus pais com pesar e com saudade. Cheirou algumas delas, tentando procurar algum resquício de seus cheiros. Não lembrava mais de seus cheiros. E, sentindo-se boba, chorou, finalmente. Queria tanto lembrar, como é que podia esquecer algo assim? Desolada, mirou o jardim de grama alta, inços e árvores mortas.
Tudo estava morto. Todos estavam mortos. E ela, viva, desesperada, perdida naquela ilha de esquecimento. De repente tudo ficou escuro. Não tão de repente, mas de repente demais para ela. Era noite e havia passado horas em nostalgia sem ao menos se dar conta. Eram muitas histórias. Histórias que jamais seriam contadas.
Saindo daquela casa para nunca mais voltar, olhou mais uma vez para o jardim esquecido. E, como se fosse uma viagem ao seu passado, avistou margaridas balançando no pé de uma figueira antiga, na qual subia quando menina. Sentiu como se as margaridas sorrissem para ela. Estavam vivas. Ainda havia vida perdida naquele passado presente. Ela não era, e ainda bem que não, o único vestígio daqueles momentos.
As flores acenavam, numa noite de primavera, e pediam para que voltasse.