29 de jul. de 2012

Não importa

     Digo no espelho: menina, não importa, deixa pra lá. Até pra sofrer tu precisa de tempo; pra chorar, pra pensar, pra lamentar. Esse tempo tu não tem. 
     O mundo tá cheio de dor e quase ninguém sente, quase ninguém vê. Tu precisa olhar pros outros, menina, ouvir os gritos de desespero, perceber o sofrimento de quem não tem um segundo de paz. Tu precisa perceber que há quem sofra o tempo todo. Nada importa, nem quem sofre, nem quem faz sofrer; nem a vida importa. 
     Perante todo o resto, tu é nada, menina. Nada importa, nem tu, nem o que tu sente, nem se tu tá perdida, nem se tu não sabe te encontrar. Essa dor aí dentro vai passar, e mesmo que não passe, quem realmente vai querer saber? Guarda pra ti, menina, que esse mundo já tem dor suficiente.
     Se tudo virar de cabeça pra baixo, tu aprende a ignorar a gravidade; se tudo virar do avesso, tu aprende a viver ao contrário. Tu sempre aprende, menina, não importa o que aconteça.
     Tu vai viver como conseguir, sem esperar demais de ti mesma e sem esperar qualquer coisa dos outros; tu vai viver sabendo que isso não importa, que nada disso importa, e que quando acabar, será como se nunca tivesse sido. Tu vai aproveitar cada cicatriz pra escrever em ti mesma as tuas verdades; a primeira delas é que não há amor que não possa ser destruído, e que isso também não importa.
     Até pros teus olhos soltarem essas lágrimas, menina, tu precisaria ter forças pra sentir alguma coisa, mas cá entre nós, tu já não quer mais sentir, tu já não consegue mais sentir, tu já está farta de buscar soluções. Cá entre nós, tu já se importou o suficiente e ninguém se importou com isso. Já era hora de cansar.
     Sentir não é tão fácil como dizem, menina. Tu precisaria ser mais forte pra continuar sentindo, e acredita em mim, tu não é. Agora tu desistiu de acreditar e talvez seja melhor assim; o que é dor hoje, dali a pouco já não importará mais, como todo o resto. 
     Seja o que for, não importa. Pode fingir que importa, não tem problema, mas não importa. E é importante que tu continue agindo como se tudo importasse, mesmo que não importe. Nem o amor se livrou dessa, menina. Nem o amor é importante, e mesmo assim as pessoas amam e se importam em amar.
     Só não fica te enganando, menina: o que tu chama de amor já não existe mais.

Sadness by *G-Moel (www.deviantart.com)

27 de abr. de 2012

As melhores pessoas do mundo são

Não venha a mim se tudo o que tem a oferecer é esse tédio que perambula seus atos e essa monotonia que brilha em seus olhos. Não espere que eu me agrade com toda essa facilidade e com a falta de perigo que é estar contigo. Se afasta, se não pode ser mais do que qualquer um; vai embora se não pode me fazer sofrer. 

Sempre esperei muito, esperei mistério, preparei, na minha cabeça, de quais formas eu ia lutar por algo que eu queria, e agora tudo o que me oferecem é simples demais pra que me impressione. Se não fico impressionada, não há valor. E se não há valor, vão e já não voltem; prefiro perder meu tempo comigo mesma, que ainda me surpreendo, do que com pessoas todas iguais, que deixam de ser elas mesmas por medo de não conseguirem ser o que os outros são.

Se eu quero realidade, tenho a vida, e já me basta. Mas eu quero sonhar, e sonhar grande, voar alto; se seus pés são cravados no chão, corra para longe; não há o que fazer aqui se se contenta com tão pouco. Pessoas normais estão por todos os lados e já não sei se encontrarei qualquer um cansado desse mundo onde tudo é sempre tão igual. Sinto falta da loucura e do inesperado; é pedir demais que parem de ser tão previsíveis? Se não pode me surpreender, saia, finja que não me vê; prefiro te olhar e me sentir indiferente do que te olhar com o desdém de saber que é superficial. Sorria e volte pra casa; não é nenhuma surpresa que, mais uma vez, não haja alguém que me surpreenda. 




Será que eu sou louco?
Suponho que sim, mas vou lhe contar um segredo: as melhores pessoas do mundo são.
(Alice in Wonderland)
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2 de mar. de 2012

~

Achei que fôssemos invencíveis, mas as histórias de criança acabaram faz um tempo. Demorou pra eu perceber que estava perdendo o poder de acreditar nas pessoas. Eu sempre quis fazer a pose de menina forte, queria ser aquela que não ia chorar por ninguém. Inexplicavelmente, não sei se me tornei essa pessoa por tanto querer ou se na verdade sempre fui assim: a guria que chora ouvindo uma música, assistindo um filme, olhando alguma fotografia, lendo uma poesia ou qualquer outra coisa, mas que não consegue chorar por si mesma.

Quando eu olho pra trás, agora, vejo que eu realmente acreditei que não houvesse nada no mundo que pudesse nos separar. Que, de algum modo, estaríamos sempre juntos, olhando um pelo outro, cuidando um do outro. Que se um dia um de nós fosse, logo voltaria. Agora eu rio disso, rio porque é irônico, porque, com o tempo, eu mesma me anestesiei, esperando pelo momento onde diríamos adeus. Porque quando se diz adeus, as pessoas não voltam. Nos perdemos de forma boba, em vão. Perdemos quem nem mesmo foi embora. E agora eu te substituí, tu me substituiu, e nós nem mesmo sentimos saudades. E essa história de permanecermos iguais, mesmo quando o tempo passa, é uma mentirinha boa que inventaram pros corações não se partirem antes do tempo. Porque não somos invencíveis, nunca fomos. O tempo sempre vence, no fim das contas. É natural nos deixarmos ir, mesmo que seja uma pena. O sorriso que dirijo a ti é aquele de até logo, que vai virando um tchau e logo mais um adeus; te envio o sorriso de quem não vai chorar por te perder.

Plans of what our futures hold
Foolish lies of growing old
It seems we're so invincible
But the truth is so cold
(Avenged Sevenfold - So far away)

17 de fev. de 2012

É hora de dizer adeus às inconstâncias

Todos os talvez, todos os quem sabe?, todas as metades. Adeus. É hora de dizer adeus a ti, e a tudo que te representa. Não vai ser nenhum até logo, não existe um futuro onde possamos nos encontrar novamente. Não quero mais esse pesadelo ou a angústia de não saber, nunca, onde as coisas começaram a ruir. Aliás, gostaria de saber se algum maldito dia elas foram construídas, porque não me lembro de colocar um único tijolo, a não ser nos muros que me cercam. Vai ver por isso está tudo torto, tudo fora do lugar: tu não conseguiu construir sozinho, ninguém consegue. Esse abismo é só uma consequência; eu escolhi não pular, não me arriscar, porque não sei o que vou encontrar lá no fundo, porque não sei se quero encontrar qualquer coisa tão distante de mim.

Distante de mim, sim, porque eu sempre quis certezas, sempre quis olhar pra mim mesma no espelho e dizer olá guria, vamos arriscar tudo hoje?, e contigo não tenho certeza de nada, nunca tive. Tudo que eu digo, você sempre diz mais, e é como se fosse um jogo de crianças bobas brincando de quem vai magoar mais o outro. A diferença é que eu não me magoo facilmente, e é por isso que não jogo com ninguém. Porque eu acabo, sempre, sendo a menina má que destrói os sentimentos de alguém que se importava demais. Não quero mais essas reticências na minha vida, e se, pra isso, eu preciso colocar um ponto final nessa história, eu coloco. E um só é mais que suficiente pra finalizar tudo o que começamos. Porque se eu colocasse mais dois, sucessivamente, continuaríamos sem dizer adeus, e eu preciso me despedir. Já é hora de deixar as dúvidas de lado e agir como adulta: te deixo ir, quero ir também.

Eu não posso te dar o que tu acha que me deu, então sem até qualquer dia, sem quem sabe um dia nos encontremos por aí. Sendo adeus, é adeus, mesmo, é nunca mais. Não vou deixá-lo perto o bastante pra me machucar, nem quero ficar perto pra continuar te ferindo. Sem mais palavras, é isso; sempre foi só isso. E as inconstâncias acabam por aqui; nós acabamos por aqui. 

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Baseado na música Turning Tables, Adele.

9 de fev. de 2012

Eu quis precisar de alguém

E isso é tudo. Não resta mais nada a dizer. Querer precisar não significa que, qualquer dia, realmente precisei de você. E hoje já não quero precisar. Isso é simples, não deveria doer, então desculpe-me se dói. Mas não sinto nada, e se não sinto, como posso pensar que isso vale a pena? Isso, tudo isso pelo que passamos, todas as perguntas sem respostas, todos esses "talvez", que ficam martelando em nossos ouvidos enquanto não sabemos como agir... Nada disso vale o transtorno. Sinto-me incomodada, nada mais que isso. Deveria me sentir abatida? Ou triste? Ou com medo de errar e me arrepender? Desculpe, não me sinto assim; só sinto que a coisa certa a fazer é não querer precisar de você, nem de ninguém. O problema sou eu e essa minha mania chata de querer sempre mais do que posso ter. Sempre me engano, dizendo a mim mesma que me importo com as pessoas, que me importo com você... Mas a verdade é que só me importo comigo, e tenho estado perdida de mim ultimamente, tentando tanto não perder ninguém. 

Decidi que quero, com prazer, perdê-lo. E me encontrar de volta, sabe, precisar de mim. Eu quis precisar de alguém e sinceramente sou a pessoa mais importante, devo me bastar, devo precisar só de mim. Quis que as coisas não fugissem do controle, quis mais do que posso explicar que tudo desse certo. Mas querer nunca é o suficiente. Arrisco-me a dizer até que, quando queremos tanto como eu quis, é que as coisas acontecem exatamente do jeito oposto ao desejado. Eu quis desenvolver qualquer sentimento por você, quis enxergar nas poesias o seu rosto, ouvir sua voz em cada música... Então acho que posso ser perdoada?!

Sei que descobrirá mil maneiras de deixar isso pra lá, afinal você não precisa de mim também, tenho certeza. E você vai conseguir, sabe, olhar para mim sem me odiar por ser tão fria. Não somos certos um para o outro, está tudo tão confuso... E drama demais faz mal. Não preciso de você. E viver nossa história só valeria a pena se eu precisasse. Então até logo, seja feliz, vá em frente, desista de mim. Nunca houve nada pelo que sofrer. Nunca há nada pelo que sofrer.

23 de jan. de 2012

Os compromissos acabaram com a minha necessidade de inventar histórias lindas pra eu fingir que eram minhas

Já tem tempo que não tenho ilusões sobre meu futuro ou sobre quem eu sou. Já tem tempo que olho pro passado não com o pesar de saber que passou e não volta, mas com uma melancolia quase alegre de ter vivido e ser a única a entender o que isso significa. Faz tempo que não sonho com finais felizes.

Mas eu costumava criar histórias perfeitas para uma menina perfeita. Esquecia, às vezes, que sou a imperfeição ambulante, que as coisas nunca são como queremos, e formulava diálogos intermináveis, expressões inesquecíveis e fantasiava sobre como seria amar de verdade. Criei as frases que fariam eu me apaixonar por alguém; ninguém nunca as disse.

Não tem muito tempo desde que decidi parar de planejar tanto. Menos tempo ainda faz que percebi que quando planejo e não dá certo, dói mais do que se não quisesse nada. Eu sempre quis demais, sempre esperei demais de mim e dos outros; todos me decepcionaram, até que eu decidi esperar sempre o pior. E, por menos que eu acredite, ainda existem pessoas que são capazes de me surpreender; isso é o que torna alguém admirável pra mim. Quando eu sorrio por educação, e a pessoa me mostra que merece meu sorriso mais sincero. 

Faz tempo que não faço força pra sorrir, nem força para não chorar. Tenho deixado de lado os muros que contruí em volta das minhas histórias impossíveis e passei, bem consciente, a aceitar as dores de viver intensamente. Não me iludo com amores infinitos e indestrutíveis; não me contento com menos que isso. Espero que entendam, espero que eu mesma me entenda.

Mas já disse, não faço questão de saber quem sou, ainda mais se isso quiser dizer que vou parar de surpreender a mim mesma. Sempre quis admirar a pessoa que escolhi ser e se não houver mais surpresas, só haverá decepções. Quando eu conheci a vida de verdade, quando entendi a responsabilidade de me tornar uma pessoa admirável para mim mesma, parei de inventar minha história e passei a vivê-la. Sem esperar o que criei ou deixei de criar, sem esperar absolutamente nada.

Não espero nada de mim e rogo para que também não esperem: assim talvez eu não destrua as ilusões de ninguém como destruíram as minhas.

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14 de jan. de 2012

Brisa

No fim, todos eles tinham razão e eu estava errada. No fim, vale a pena.

Antes de correr para a sorte, eu hesitei. E hesito, ainda. Eu sempre hesitarei. A sorte é tão relativa, tão inesperadamente surpreendente e tão loucamente desejada. Como a louca que sou, mantenho meus pés no chão, firmes, com medo de abrir os braços e me deixar levar pela brisa calma de quando não se tem medo. Essa brisa, em mim, vira ventania, sou engolida pelo furacão, soterrada por quilos e quilos de dúvidas e a tempestade torna tudo à minha frente invisível. Eu gostaria de ser invisível. O que é invisível não precisa se importar com os olhares maldosos de quem acha que sabe tudo, de quem finge ser perfeito, de quem ama pelas beiradas. Se é para se jogar, então eu me jogo. Eu estava errada sobre não dever se jogar nunca; fui jogada pela calmaria, senti a brisa no meu rosto e, logo depois, areia nos meus olhos. E a chuva, ah, a chuva, que sempre chega para levar tudo embora. Mesmo perdendo tudo, ou nunca tendo nada, valeu a pena. Voar, por alguns segundos, antes de fincar os pés no chão novamente e aceitar que a vida não é uma ilusão, que eu não posso voar e que os momentos de felicidade duram menos do que o tempo que levamos pra nos recuperar.

Incrivelmente, valeu.

A chuva cai, agora. Tudo já se foi, todos já se foram. Não sei se foi o furacão que me jogou contra a realidade ou se foi a terra que me cegou para sempre. Não sei se me joguei e a queda foi muito dura, ou se sonhei que voei e acordei atordoada, querendo que fosse real. Mas senti essa brisa e foi calmo como se não houvesse medo. Dói um pouco, mas é fácil sorrir depois de saber que o medo não é uma constante. Fui invisível durante um tempo e foi suficiente para entender que as vantagens de ser invisível são menores do que as desvantagens; longe dos olhares maldosos, longe dos corações. E meu coração é o motivo de eu estar aqui, em busca de qualquer situação que o faça bater aceleradamente, sem medo, na ventania simples de existir só brisa. Sorrio para mim mesma com a certeza de que voar é a minha melhor loucura. 

Mas no fim todos eles estavam errados e eu estava certa. No fim, um sorriso pode curar toda a dor.

28 de dez. de 2011

Por que não?


Sabe, às vezes penso em como as coisas podem ser. Por que não? Por que não podemos ficar juntos, diminuir os problemas, acabar com esse aperto, sorrir simplesmente? Então eu lembro das palavras que você usa pra me definir, de como você vive se importando com os meus problemas ou de como eu me sinto linda quando você fala de mim. Por que, meu deus, por que não? Por que não podemos nos encontrar, esquecer o passado, viver a vida real, como ela é? Daí eu me recordo, no entanto, que alguém como eu, que conhece alguém como você, sabe que alguém como você não diz palavras bonitas para uma só pessoa. Alguém como eu não pode ser enganado assim, tão facilmente. Por que não podemos ficar juntos? Porque eu te conheço. E, te conhecendo, nem quero que fiquemos juntos, mesmo. Nem quero que dê certo, nem quero ficar cega, ignorar os problemas ou esse maldito aperto. Não quero sorrir ingenuamente para você enquanto poderia sorrir para mim mesma, sincera, mesmo magoada, sem trair meus ideais. Não podemos nos encontrar, mesmo que estejamos lado a lado, porque você nunca vai saber quem sou eu de verdade. Não precisamos esquecer o passado porque o passado nunca importou, mas o presente importa, e o presente é de mau gosto. Na vida real, pessoas como você não merecem pessoas como eu. Na vida real, pessoas como eu não acreditam em pessoas como você. Na vida real, somos opostos. E continuaremos sendo opostos sempre, porque eu tenho aquela ânsia de poder confiar nas pessoas que me cercam, e você tem aquela mania irritante de me decepcionar. Por que não? Você sabe... porque não. Simplesmente não, inevitavelmente não.


Foto por ^DemonMathiel em deviantart.com

25 de dez. de 2011

Sinto muito

Sinto muito por sentir de menos ou demonstrar de menos. Sinto pelas crianças que morrem todos os dias, por esse mundo imperfeito, pelas maldades e atrocidades cometidas por nós. Sinto muito pelos sorrisos que não dei, pelas palavras que feriram e pelas vezes que fingi não me importar. Desculpe-me pelas vezes que não soube retribuir o carinho que recebia, se meu olhar não foi suficientemente terno, se as palavras que eu disse mais cortaram do que ajudaram a cicatrizar. Sinto muito por não saber escolher as melhores frases nos melhores momentos, e sinto tanto por não poder acabar com todas as dores do mundo! Sinto muito pelas pessoas que se foram e pelas que ainda irão; sinto por mim, sinto por ser assim e, ainda mais, sinto por não querer deixar de ser imperfeita. Desculpe-me pela sinceridade, pela incapacidade de fingir ou por não notar que fui rude, insensível. E, acima de qualquer coisa, sinto muito por não ser quem você gostaria que eu fosse, sinto muito por não ser uma alegoria às princesas, insuportavelmente perfeitas. Sou essa alegoria às avessas, completamente perdida em minhas desculpas. Mas não sinto muito por isso. Só sinto muito, e muito mesmo, por estarmos longe de não sentir nada.

16 de ago. de 2011

E eu preciso de você, mas e depois?

E eu te deixo, mas e depois?

Talvez devesse sorrir, ainda que ferida; talvez devesse chorar, só para variar, ou desabar nos braços de quem pudesse lhe segurar. Mas não havia nada que devesse fazer que realmente conseguisse. Não tinha vontade de fazer nada. Com os olhos fechados conseguia sonhar que nada daquilo era real, que não passava de um sonho macabro, que sua mente era terrivelmente incontrolável. Queria que suas ilusões engolissem o tempo, acabassem com as dúvidas, fechassem as feridas. Mas seus olhos estarem fechados não mudava o fato de que seu coração nunca estivera tão estraçalhado. Desde menina tivera sonhos simples, lembranças de um conto de fadas que nunca vivera. Apesar de cuidadosa, sonhava alto; apesar de parecer fria, sua sensibilidade ultrapassava os limites saudáveis; apesar do pessimismo aparente, esperava que tudo desse certo. Seu erro era fingir ser sua própria fortaleza. E então, quando deu por si, estava apaixonada.

Não pelo príncipe encantado nem pelo homem certo. Não pelo garoto dos seus sonhos nem por alguém que merecia esse amor. Alguém que estava ao seu lado, alguém que tinha mil defeitos; ela conhecia todos. Isso era ainda mais triste. Conhecendo-o tão bem, conhecia as impossibilidades. E as brincadeiras a feriam devastadoramente; quase acreditava e o tombo era sempre grande demais.

"O que, eu minto tão mal?" - ele sorria ao perguntar.
Percebi a mentira através do seu olhar - queria dizer e, no fim, nada dizia.

Já não podia mais fingir, ou podia? Conseguiria olhá-lo todos os dias nos olhos como se não sentisse nada? Como se seu coração não saltasse de medo, dor e paixão? Tudo bem, seguiria, um dia tudo isso passaria. Mas e então? Até quando teria que lidar com aquele vão no peito? Até onde seria capaz de ir com aquele grito preso na garganta, com as silenciosas declarações de amor?

Nem todos aguentam mentiras e eu ignoro isso, mas e depois?

Fugir não a levaria a lugar nenhum porque não tinha para onde fugir. Aquele sentimento não devia existir, aquela vontade de ser a única para ele não devia existir, aquele brilho no olhar não devia existir. E, no entanto, como se fosse de propósito, existiam. Ninguém acreditava neles, ninguém imaginava. O assustador era a certeza de amá-lo e não poder amar. Procuraria outros amores, talvez, ou outras maneiras de esquecê-lo. Lutar contra o mundo todo, no entanto, seria um milhão de vezes mais fácil do que lutar contra si mesma.

Talvez depois eu vá embora para sempre.

Música: Brush it off - Plan Three.
Conto para Projeto Blóinquês.